Parou de chover. Olho pela janela e consigo ver o céu azul
que habita lá em cima. Espreito por entre as nuvens escuras e densas alternadas
por outras mais leves que desenham rabiscos envergonhados nestes dias cinzentos.
Da minha janela vejo ao fundo o aeroporto. É lá que nos
encontraremos daqui a pouco. Este pouco que parece tanto nas horas da tua
ausência.
As malas, deixei-as ontem à noite em tua casa e pedi que mas
levasses para eu poder ir directamente do trabalho sem ter que fazer paragens
desnecessárias, pois a vontade em te encontrar
é mais que muita. Será tudo simples e directo.
Os últimos pormenores foram acertados ontem à noite por
entre lençóis aquecidos pelos nossos corpos e por entre promessas que já foram
esquecidas.
Hoje fugiremos para outro destino. Um mundo cheio de
possibilidades, longe desta realidade viciada que destrói e consome as nossas
vidas. Só tu e eu noutro lugar qualquer.
Chegado o momento, saio a correr para o aeroporto. Consigo
chegar à hora combinada. Ainda não cá estás. Mando uma mensagem que fica
pendente. Começo então despreocupadamente a pensar em possibilidades. Chove
imenso lá fora. Deves estar preso no trânsito. Ficaste sem bateria,
impossibilitado de me avisar.
Passados vinte minutos, as hipóteses mantêm-se, mas o tom
dos meus pensamentos modifica-se. É agravado. Penso que talvez possas ter
desistido. Na verdade, a tua vida é outra, muito centrada nas tuas coisas, na
tua vida com as tuas pessoas. E eu não sou uma delas, nem faço parte do teu
círculo de amigos. Criei a ilusão de que poderíamos fazer uma viagem, deixando
tudo para trás. Mesmo que apenas por uns dias. A vivência de uma história de
amor, mesmo que efémera.
No fundo, sabia que a tua posição jamais iria mudar. Nunca
abdicarias da tua vida por mim, nem me levarias para dentro dela. No fundo,
ainda bem que assim era. Algo que sabemos que não é adquirido é algo por que
lutamos com mais cuidado, com mais vontade. E eu sabia que se perdesse o
sentido disso, iria aborrecer-me e a magia que nos mantem aqui iria
desaparecer. Então, passarias a ser mais um, como tantos outros que passaram
pela minha vida. Não queria olhar para ti dessa forma. Eras um desafio e não
queria que isso acontecesse contigo. Não contigo. A minha ilusão preferida.
Queria fazê-la durar.
Os minutos foram passando e fui tomando consciência que tudo
aquilo não passara de uma brincadeira de meninos. Respirei fundo como que a
ganhar força para me erguer do banco onde me mantinha sentada há mais de meia
hora. O meu mundo tornou-se novamente cinzento e não valia a pena continuar
ali.
Olhei uma última vez para o telemóvel. Nada. A mensagem
continuava pendente. Levantei-me e comecei a caminhar em direcção à saída. A
saída que era a entrada de volta para a minha realidade. Respirei fundo de
novo, desta vez resignada.
Encostei a palma da mão quente contra o letreiro que dizia push. E foi aí que senti o meu braço
esquerdo a ser puxado novamente para dentro. Eras tu. Com esse sorriso enorme e
despreocupado que logo me contagiou. Sorri também e disse que ia apenas fumar
um cigarro. Eu que nem fumo, tu que nem te lembraste disso. Disse-te que também
eu tinha acabado de chegar. Sim, vamos
fugir, respondi.
Senti que talvez essa viagem fosse um erro, mas resolvi, eu
própria, não desistir. Preferi arrepender-me depois, já com uma história para
contar...
A tua escrita faz-me sentir genuinamente arrepios e ver-me nos lugares que descreves.
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