06 novembro, 2015

Uma Prega no Tempo

Uma prega no tempo era o que se desejaria para anular certas datas que acentuam a dor e que fazem rever momentos conturbados da vida. Uma suspensão de memória que anularia o peso no peito e que evitaria os sorrisos que temos que ter sempre prontos para mascarar a mágoa.
Próximos estarão os festejos, esses que, outrora sim, foram momentos de festa e que hoje já não fazem assim tanto sentido por não os podermos partilhar com aqueles que partiram. É certo que continuam a fazer algum sentido por aqueles que cá ficam, os que nos instigam a continuar por mais um dia, todos os dias...
E, apesar de continuarmos a sorrir com a mesma genuinidade, são sorrisos um pouco amargos, sorrisos de coração pesado, porque esse coração, tão e tantas vezes cheio, está agora irremediavelmente quebrado. Cheio de cicatrizes que jamais se apagarão com o tempo. O tempo que gentilmente nos dizem, numa mentira piedosa, cura tudo.
Assim, se sugeriu (e bem), num rasgo de génio, que uma prega no tempo seria um mal necessário nesta época que cada vez mais dói, pela ausência daqueles que perdemos e que eternamente amamos. 




17 abril, 2015

Entro numa sala e...

Cadeiras frias e uma mesa recta. Paredes brancas. Alguns livros numa estante e objectos aleatoriamente espalhados sobre a mesa. Talvez uma sala de aula improvisada.
Ouço pessoas lá fora que falam e estendem os seus passos pelo soalho de madeira corrida. Distraio-me a olhar pela janela e imagino o dia que se move lá fora, cheio de sol e de pessoas que passeiam e desenferrujam os sorrisos.
De repente, sou surpreendido pela porta que se abre. Ela entra, vira-se sobre si própria e fecha a porta atrás de si. Inconscientemente, dou por mim a seguir os seus movimentos, talvez atraído pela ausência desses neste espaço inerte. Ela senta-se devagar, recolhe a cadeira contra a mesa, ajustando o corpo ao espaço que lhe cabe. Começa a escrever.  Ajeita o cabelo comprido atrás da orelha. Parece ter os pensamentos dispersos, alienados ao que a rodeia. Não consigo perceber se é feliz ou triste. Tento ver nos seus olhos que, embora grandes, pouco revelam. É estranho tentarmos adivinhar o que os outros são ou como são pela mera observação. Parece que estamos a invadir um pouco da sua privacidade, da sua intimidade. Tentamos adivinhar as suas vidas, as suas rotinas e até os seus momentos de loucura. Mas são apenas meras coisas com que ocupamos o pensamento ao imaginarmos outros mundos, talvez com o intuito de nos distrairmos do nosso próprio mundo e das coisas que nos entediam. Qualquer razão é válida para que consigamos encher a mente, que já se encontra tão cheia de coisas tão vazias.
Volto a olhar para ela e, agora à distância de apenas alguns minutos, parece que a conheço um pouco melhor. Quase que consigo dizer o que vai no seu pensamento, o que pesa no seu coração.