13 novembro, 2014

O Rio


Esperava na sombra das horas deste dia que parecia não ser seu. Ficava ali, à margem, vendo o Rio passar. À distância, o tempo passava esperando o tempo certo de agir, mas não sabia nem quando nem como. 
A água tomava diferentes formas e cores. Por vezes límpida, outras turva. A medo, decidiu entrar. Sentiu o Rio a envolvê-lo como se se tornasse parte de si. Tomava a sua forma e sentia a água colada à sua pele pelo lado de dentro. Diluia-se e reconstruia-se. Reformava-se e conformava-se. Ele acompanhava o fluxo do rio, contendo o seu eu e cada vez mais se fundindo e confundido com aquilo que o envolvia.
O Rio parecia correr em vários sentidos. Isso deixava-o confuso. As águas revoltas corriam em diferentes direcções, desconexas, tendiam a corrigir o curso e o rumo de um passado não assim tão distante.
Saiu então para terra firme. A água estava demasiado agitada, ainda que sob uma névoa que escondia essa agitação, como uma máscara, como um véu que disfarçava e simulava, orientando a atenção para outras distracções. Essa agitação condicionava uma visão clara das coisas e ele sabia que alguma distância dar-lhe-ia certamente a clareza necessária. Sem contrariar qualquer movimento,  caminhava novamente na margem do Rio, com os seus pensamentos à "beira-mágoa". Seguia descalço, para que os seus pés nús conseguissem apreender melhor as texturas, a temperatura e até as pequenas pedras que iam surgindo no caminho.  
Caminhava devagar, como lhe disseram que devia ser. Esperava e respeitava todo aquele ambiente que o rodeava.
Mas eis que encontrou uma barragem. Não podia trespassá-la, embora reconhecesse que não era feita de betão, mas antes de pequenos troncos e ramos de árvore. Reconhecia também que não esteve ali desde sempre. Era uma construção recente. Conseguiu espreitar por entre as suas camadas de galhos e folhas e o seu olhar perfurou a barragem, como os primeiros raios do sol de inverno que trespassam a água fria. Do outro lado, depois desta barreira que o impedia de passar, que escondia e protegia a verdadeira essência do Rio, a água encontrava-se em verdadeira acalmia e tudo parecia sereno.
Deste lado, tudo permanecia tumultuoso, confuso. Ele acreditava que talvez pudesse haver uma razão. Ter-se-ia ele deparado com todas aquelas adversidades por um qualquer motivo que a sua razão desconhecia? Seria ele o escolhido para quebrar aquela barreira, feita em barragem, e passaria assim a habitar na pureza das águas calmas do Rio? Questões acumulavam-se em catadupa. E ele ia sendo empurrado com a força da corrente que o agarrava e o prendia contra a barragem, que ora o instigava ora o demovia. Valeria a pena?