11 junho, 2013

Unspoken Words

Saio ao fim da tarde, deixando para trás a rotina dos dias. Liberto-me daquele espaço onde tudo acontece à mesma hora da mesma forma, com as mesmas pessoas de expressões fechadas. É por isso que gosto do momento em que atravesso aquela porta, reentrando na minha realidade, aberta a um mar infindável de possibilidades. A partir dali, tudo passa a ser novamente imprevisível. 
Caminhei até ao metro, tinha um encontro junto ao rio... Entrei para a claustrofobia viciada do subsolo. O painel alertava para a redução a três carruagens, como se o bilhete passasse a ser mais barato por isso. Entrei e sentei-me. Como é meu costume, fiquei a observar as pessoas que se iam distribuindo pelos lugares à minha volta. É então que, por entre corpos que vêm e vão no reboliço das paragens, se senta um casal de velhinhos à minha frente. 
Ela tão magrinha e pequenina, ele enorme e com um ar docemente bruto. Ela tão bem posta e arrumadinha, ele que ocupava o espaço dele e parte do dela. 
A senhora, com um lenço de seda à volta do pescoço, procurava um papel na malinha preta que tinha depositada sobre o colo e rosnava sons imperceptíveis, enquanto chupava a sua dentadura como se fosse um rebuçado. O senhor, com um chapéu antigo sobre a cabeça, tendo um aparelho auditivo, dava a entender que não percebia nada do que ela ia dizendo. Mas ia acenando com uma ternura que transmitia que, no fundo, não havia nenhuma palavra daquele tão estranho dialecto que não soubesse já de cor. Tinham uma cumplicidade tal que fazia inveja a quem soubesse atentar a todos aqueles sinais. Mas que, naquele preciso momento, passava despercebido ao comum dos mortais e se desenrolava agora diante dos meus olhos, tal como num quadro vivo.
Eu, atenta, observava agora as suas mãos. Bodas de prata. As dele, dispostas sobre cada um dos seus joelhos, deveriam ser quase o dobro das dela, mas se por ventura se encontrassem, seria em perfeita harmonia. 
As dela permaneciam tranquilas, arrumadas lado a lado sobre a malinha preta fechada. E foi aqui que fiquei absorvida pelo pormenor daquele cenário. O pormenor das mãos daquela velhinha que devia andar na casa dos oitenta. A pele quase transparente de tão fina, as veias por onde corria um sangue já cansado e os ossos salientes acompanhavam a delicadeza daqueles gestos imóveis... 
Fiquei com o olhar preso sobre aquelas mãos que, não sendo as mesmas, eu tão bem reconhecia. Impressionante...
Permaneci assim durante algum tempo até que, chegada a sua paragem destino, levantaram-se e a senhora, com um sorriso sincero e com aquela cor de olhos (uns olhos cor de chuva), pergunta com uma educação de outros tempos: "Dá-me licença?". Devolvi o sorriso sem proferir qualquer palavra e segui viagem. 
Saí e fui andando, devagar, até à margem do rio onde vimos os barcos da última vez. Senti o sol a bater-me na cara e fechei os olhos. Respirei fundo três vezes. E o vento levantou e levou de mim tudo o resto deixando só aquele momento, que me ficará na memória como uma fotografia.
Talvez um dia também tu estejas ao meu lado e, num gesto de cumplicidade inigualável, consigas compreender os meus dialectos imperceptíveis...