22 agosto, 2012

The fog & the lies


... abro os olhos e não consigo ver nada. Está demasiado nevoeiro para que consiga vislumbrar o que quer que seja. Ouço vozes imperceptíveis que se repetem e sobrepõem sem qualquer sentido lógico. Não as consigo descodificar. Não sei se chegam até mim através de uma parede, se estão apenas longe, ou se os meus sentidos não estão aptos ao que me parecem ser idiomas disconexos.
Franzo a testa e tento olhar por entre este nevoeiro cerrado. Vejo algumas sombras disformes. Tudo me parece confuso e difuso. Parece um sonho, mas não é. Tenho a certeza. É a realidade.
Consigo olhar para as minhas mãos. Consigo perceber que estou ali fisicamente, mas não consigo ver mais nada para além disso. Não caminho. Permaneço imóvel no mesmo sítio, como que a tentar perceber o ambiente que me rodeia, os contornos do espaço e das coisas que nele se encontram. O ar é demasiado denso. Nem uma brisa corre, nada que faça dissipar este ar pesado e viciado. E os meus olhos não têm aptidão suficiente para me fazer mover confiantemente num lugar assim. Fico condicionada.
Decido avançar aos poucos, pé ante pé, e começo lentamente a vislumbrar pequenas coisas, pequenos indícios. Peças de um puzzle que ainda não montei. Mas nenhuma das partes parece encaixar na outra. Parece algo mal construído, cheio de pontas soltas.
Continuo a caminhar calmamente e vou guardando nas mãos partes do que vou encontrando, daquilo que vai chegando até mim. Coisas que não procuro, mas que vêm ao meu encontro. Até que, por fim, algumas dessas coisas me começam a parecer familiares. Começo a reconhecer certas palavras, expressões, momentos, imagens. Percebo então que este nevoeiro cerrado é composto de partículas minúsculas desses pedaços de coisas. Que se foram desfazendo ao longo do tempo e que agora tornam a minha visão turva.
Até que percebo que são tudo pedaços de mentiras. Difundem-se no ar. Toldam o pensamento dos demais. Não são as minhas mentiras. São as tuas. E as tuas. E as tuas.
Seu eu minto? Claro que sim. Todos mentimos. É inerente ao ser humano. Mas eu magoo com verdades, não com mentiras. E as mentiras têm diferentes pesos. As minhas esfumam-se no ar no momento imediato em que saem da minha boca. São irrelevantes. Estas, de que falo aqui, são tão pesadas que adensam o ar, tornando-o irrespirável.
Sei que a vida não é só feita de mentiras, mas este ambiente está tão cheio delas que se torna impossível ver mais além. Por melhor que seja uma pessoa, às vezes basta uma atitude má, para que tudo se transforme. Pior é quando essas atitudes se repetem infindavelmente. E assim se seguem os incontornáveis pedidos de desculpas. Como borrachas gigantes que já não sabem apagar o que ficou para trás, porque as desculpas não anulam o passado.
Faço mais um esforço. Ponho uns óculos especiais, uma espécie de visão nocturna. Assim, já consigo ter alguma noção de formas e cores. Consigo ver alguns sorrisos e deixo-me deslumbrar por isso. Até parece que está tudo bem, que tudo se dissipou e a minha visão volta a ser clara e distinta. Volto a sorrir também, volto a aproximar-me e volto esquecer-me desse passado que não é assim tão distante. Volto a acreditar que tudo é possível. Volto a confiar.  E, de repente, levo uma paulada na cabeça que nem sei de onde vem. E então...
... abro os olhos e não consigo ver nada. Está demasiado nevoeiro para que consiga vislumbrar o que quer que seja...


Sem comentários:

Enviar um comentário