25 outubro, 2012

Histórias de aeroporto #1


Parou de chover. Olho pela janela e consigo ver o céu azul que habita lá em cima. Espreito por entre as nuvens escuras e densas alternadas por outras mais leves que desenham rabiscos envergonhados nestes dias cinzentos.
Da minha janela vejo ao fundo o aeroporto. É lá que nos encontraremos daqui a pouco. Este pouco que parece tanto nas horas da tua ausência.
As malas, deixei-as ontem à noite em tua casa e pedi que mas levasses para eu poder ir directamente do trabalho sem ter que fazer paragens desnecessárias, pois a vontade em te  encontrar é mais que muita. Será tudo simples e directo.
Os últimos pormenores foram acertados ontem à noite por entre lençóis aquecidos pelos nossos corpos e por entre promessas que já foram esquecidas.
Hoje fugiremos para outro destino. Um mundo cheio de possibilidades, longe desta realidade viciada que destrói e consome as nossas vidas. Só tu e eu noutro lugar qualquer.
Chegado o momento, saio a correr para o aeroporto. Consigo chegar à hora combinada. Ainda não cá estás. Mando uma mensagem que fica pendente. Começo então despreocupadamente a pensar em possibilidades. Chove imenso lá fora. Deves estar preso no trânsito. Ficaste sem bateria, impossibilitado de me avisar.
Passados vinte minutos, as hipóteses mantêm-se, mas o tom dos meus pensamentos modifica-se. É agravado. Penso que talvez possas ter desistido. Na verdade, a tua vida é outra, muito centrada nas tuas coisas, na tua vida com as tuas pessoas. E eu não sou uma delas, nem faço parte do teu círculo de amigos. Criei a ilusão de que poderíamos fazer uma viagem, deixando tudo para trás. Mesmo que apenas por uns dias. A vivência de uma história de amor, mesmo que efémera.
No fundo, sabia que a tua posição jamais iria mudar. Nunca abdicarias da tua vida por mim, nem me levarias para dentro dela. No fundo, ainda bem que assim era. Algo que sabemos que não é adquirido é algo por que lutamos com mais cuidado, com mais vontade. E eu sabia que se perdesse o sentido disso, iria aborrecer-me e a magia que nos mantem aqui iria desaparecer. Então, passarias a ser mais um, como tantos outros que passaram pela minha vida. Não queria olhar para ti dessa forma. Eras um desafio e não queria que isso acontecesse contigo. Não contigo. A minha ilusão preferida. Queria fazê-la durar.
Os minutos foram passando e fui tomando consciência que tudo aquilo não passara de uma brincadeira de meninos. Respirei fundo como que a ganhar força para me erguer do banco onde me mantinha sentada há mais de meia hora. O meu mundo tornou-se novamente cinzento e não valia a pena continuar ali.
Olhei uma última vez para o telemóvel. Nada. A mensagem continuava pendente. Levantei-me e comecei a caminhar em direcção à saída. A saída que era a entrada de volta para a minha realidade. Respirei fundo de novo, desta vez resignada.
Encostei a palma da mão quente contra o letreiro que dizia push. E foi aí que senti o meu braço esquerdo a ser puxado novamente para dentro. Eras tu. Com esse sorriso enorme e despreocupado que logo me contagiou. Sorri também e disse que ia apenas fumar um cigarro. Eu que nem fumo, tu que nem te lembraste disso. Disse-te que também eu tinha acabado de chegar. Sim, vamos fugir, respondi.
Senti que talvez essa viagem fosse um erro, mas resolvi, eu própria, não desistir. Preferi arrepender-me depois, já com uma história para contar...


21 outubro, 2012

Entre a paragem e a regressão

"How could it be worse than not moving?
... maybe go backwards."
                                                       Awake





Tenho tido insónias quase todos os dias. Fico cansada, adormeço demasiado cedo e depois acordo sempre de madrugada. A essa hora não há ninguém para falar, estão todos entregues ao mundo onírico.
A cidade adormecida não oferece muitas opções. Quero sair, quero muito sair. Não consigo. Fico fechada em casa agarrada à inércia dos dias. Vejo as horas e os minutos a passar. Adormeço e acordo muitas vezes no intervalo de coisa nenhuma. Estou estagnada. A minha vida parou no tempo e no espaço. Não acontece absolutamente nada. 
Tudo permanece insípido. Continuo sem gosto, sem prazer. Dizem-me que tenho que sair, para me divertir, mas a verdade é que, a cada vez que o faço, tal não acontece. São apenas repetições mais e mais falaciosas do que já foi dito e feito. E as promessas feitas sem sentido, as garantias que no momento a seguir perdem toda e qualquer validade, as palavras que de honra nada têm. A confiança e a crença no outro esfumam-se no ar, por entre mentiras e nevoeiro. Já não existem pessoas genuínas, é tudo uma farsa viciada e coberta por roupas bonitas, perfumes enebriantes e sorrisos forçados. Um rol de vidas de faz de conta em que no fim nada sobra, nem uma mão onde se agarrar.
Não sei o que será preferível, uma vida assente em cinismo e momentos falaciosos, ou uma vida estagnada cuja palavra ainda vale muito ou quase tudo...

03 outubro, 2012

Momento


Estou imóvel. Uma tranquilidade habita em mim como há muito não acontecia. O meu corpo nu, coberto de um odor ainda morno, está de costas para o teu. Os teus braços envolvem-me de uma forma estranhamente confortável. Através da janela aberta, sinto a leve brisa que de quando em quando se faz sentir, fazendo lembrar que o mundo lá fora ainda se move. Alheio-me. Neste lusco-fusco que anuncia a aproximação da noite, fito o branco do tecto por onde passam luzes fugidias provenientes dos carros que deslizam sobre a calçada. Os teus dedos passeiam na superfície da minha pele e movem-se em festas mais e mais espaçadas. Deixas-te ir devagar e abandonas-te mesmo ao meu lado. Estás tão colado a mim quanto possível. A tua respiração torna-se mais pesada. Sorrio. Sentes que daqui nenhum mal virá. Isso assusta-te, faz-te duvidar depois de um passado tantas vezes amargo. Aqui e neste preciso momento, sentes a tranquilidade necessária para te deixares levar para outro lado qualquer. Permaneço imóvel. Volto a sentir a brisa que envolve o quarto e atenua o calor húmido dos corpos. Respiro fundo e sinto uma calma imensa. Era mesmo disto que estava a precisar. Descansar um pouco do resto do mundo num momento tão efémero quanto este. Fico assim... só assim a desfrutar a ausência das coisas. Sem sentimentos. Sem compromissos. Dois corpos apenas, abraçados num gesto tão simples. Um gesto que por vezes demora tanto a chegar. Movo-me devagar. Acordas sem saber quanto tempo passou. Ajustamos a posição, tão docemente quanto possível, para não acordar o momento. Libertamo-nos em meios sorrisos e olhares transparentes, despidos de qualquer preconceito. Livre, fecho os olhos e ouço este silêncio que diz tanto...

31 agosto, 2012

Once In A Blue Moon

Porque a R. disse que hoje vai haver uma Lua Azul no céu...




... aqui vai uma musiquinha com a participação dos meus queridos LadySmith :)

25 agosto, 2012

Como vou eu esquecer-te...

Como uma ilha... sozinha.
É assim que me sinto sem ti... neste dia em que faz 34 anos desde que me puseste no mundo. Sinto a tua falta como nunca. Um beijinho onde quer que estejas... e que hoje seja perto de mim.

22 agosto, 2012

The fog & the lies


... abro os olhos e não consigo ver nada. Está demasiado nevoeiro para que consiga vislumbrar o que quer que seja. Ouço vozes imperceptíveis que se repetem e sobrepõem sem qualquer sentido lógico. Não as consigo descodificar. Não sei se chegam até mim através de uma parede, se estão apenas longe, ou se os meus sentidos não estão aptos ao que me parecem ser idiomas disconexos.
Franzo a testa e tento olhar por entre este nevoeiro cerrado. Vejo algumas sombras disformes. Tudo me parece confuso e difuso. Parece um sonho, mas não é. Tenho a certeza. É a realidade.
Consigo olhar para as minhas mãos. Consigo perceber que estou ali fisicamente, mas não consigo ver mais nada para além disso. Não caminho. Permaneço imóvel no mesmo sítio, como que a tentar perceber o ambiente que me rodeia, os contornos do espaço e das coisas que nele se encontram. O ar é demasiado denso. Nem uma brisa corre, nada que faça dissipar este ar pesado e viciado. E os meus olhos não têm aptidão suficiente para me fazer mover confiantemente num lugar assim. Fico condicionada.
Decido avançar aos poucos, pé ante pé, e começo lentamente a vislumbrar pequenas coisas, pequenos indícios. Peças de um puzzle que ainda não montei. Mas nenhuma das partes parece encaixar na outra. Parece algo mal construído, cheio de pontas soltas.
Continuo a caminhar calmamente e vou guardando nas mãos partes do que vou encontrando, daquilo que vai chegando até mim. Coisas que não procuro, mas que vêm ao meu encontro. Até que, por fim, algumas dessas coisas me começam a parecer familiares. Começo a reconhecer certas palavras, expressões, momentos, imagens. Percebo então que este nevoeiro cerrado é composto de partículas minúsculas desses pedaços de coisas. Que se foram desfazendo ao longo do tempo e que agora tornam a minha visão turva.
Até que percebo que são tudo pedaços de mentiras. Difundem-se no ar. Toldam o pensamento dos demais. Não são as minhas mentiras. São as tuas. E as tuas. E as tuas.
Seu eu minto? Claro que sim. Todos mentimos. É inerente ao ser humano. Mas eu magoo com verdades, não com mentiras. E as mentiras têm diferentes pesos. As minhas esfumam-se no ar no momento imediato em que saem da minha boca. São irrelevantes. Estas, de que falo aqui, são tão pesadas que adensam o ar, tornando-o irrespirável.
Sei que a vida não é só feita de mentiras, mas este ambiente está tão cheio delas que se torna impossível ver mais além. Por melhor que seja uma pessoa, às vezes basta uma atitude má, para que tudo se transforme. Pior é quando essas atitudes se repetem infindavelmente. E assim se seguem os incontornáveis pedidos de desculpas. Como borrachas gigantes que já não sabem apagar o que ficou para trás, porque as desculpas não anulam o passado.
Faço mais um esforço. Ponho uns óculos especiais, uma espécie de visão nocturna. Assim, já consigo ter alguma noção de formas e cores. Consigo ver alguns sorrisos e deixo-me deslumbrar por isso. Até parece que está tudo bem, que tudo se dissipou e a minha visão volta a ser clara e distinta. Volto a sorrir também, volto a aproximar-me e volto esquecer-me desse passado que não é assim tão distante. Volto a acreditar que tudo é possível. Volto a confiar.  E, de repente, levo uma paulada na cabeça que nem sei de onde vem. E então...
... abro os olhos e não consigo ver nada. Está demasiado nevoeiro para que consiga vislumbrar o que quer que seja...


19 agosto, 2012

O outro lado da minha cama #2


Se eu pudesse suspendia o mundo durante cinco minutos. Precisamente... agora. Neste agora em que eu ainda estou deitada na minha cama, a lutar contra o dia que se adivinha igual a todos os outros.
Suspendia eu o tempo e voltava-me para o outro lado da cama, que agora se encontra vazio, e encontrar-te-ia ainda entregue ao mundo do sonhos. Sentiria o meu corpo morno contra o teu. Dar-te-ia um beijo na nuca e respirar-te-ia devagar. Até acordares docemente com um sorriso e me tomares nos teus braços. Assim, daquela forma sôfrega que só tu sabes fazer, como se fosse a última vez. Como se fosse sempre a última vez. Ficaríamos só assim, os dois, à parte do resto do mundo.
Cinco minutos de ilusão bastariam. Cinco minutos em que me sentiria novamente feliz e desejada. Cinco minutos que outrora tive tantas vezes
E agora, passados cinco minutos de pura ilusão, está na hora de me levantar e de enfrentar a crua realidade dos dias. Assim, abandonando o meu lado da cama que ficará como o teu, vazio como um amor esquecido no tempo.

14 agosto, 2012

Beautiful Rain #2






Sabe-me tão bem voltar a ouvir a chuva a cair...
Espelha o meu estado de espírito.
Na calma do meu refúgio, vejo a leve agitação das folhas verdes como quem quer beber as gotas de água tépida. As demais descolam-se e vão humedecendo a sede das coisas. 
Que paz de espírito... quase surreal.

13 agosto, 2012

Unknown Thought


Olho para as minhas mãos. Tenho os dedos todos riscados, qual criança que faz os seus primeiros desenhos.
Riscos pretos. Restos de palavras. Coisas que ficam por escrever. Laivos de tinta negra que marca a ponta dos meus dedos, sem sentido como os pensamentos que surgem devagar.
Sentimentos que fogem por não quererem ficar registados no papel, por não quererem surgir de forma precisa, palpável para não serem relembrados. Ficam apenas disformes cobrindo as impressões digitais. Sem identidade definida. Riscos pretos para me lembrar que, não querendo existir de uma forma real, nunca foram mera ilusão.


08 agosto, 2012

Dos que saem sem bater a porta


Não entendo as pessoas que surgem, que mostram o seu melhor lado, que dizem que estarão lá para mim, que o fazem genuinamente (quero acreditar) e que depois saem sem bater a porta.
Vão-se embora assim, sem palavras, sem razões, sem desculpas. Deixando a porta aberta atrás de si. Vão de mãos vazias sem qualquer recordação. Sem uma explicação, um motivo, uma queixa que me faça entender o sentido da sua ausência.
Indiferentes, seguem o seu caminho como se eu nunca tivesse existido. Completamente invisível, inexistente, quase surreal. Não tenho importância, nunca a ganhei, nem nunca foi esse o meu interesse. Pois a amizade não é feita de interesses.
Abdicam livre e despreocupadamente, de uma forma tão desapegada que nem uma palavra surge. Nenhum som fica sequer no esquecimento.
Vão, sem nunca dizer adeus, sem nunca bater a porta...

07 agosto, 2012

Lei da Compensação


Se para cada coisa boa que acontece, surge sempre outra má para nos lembrar que não podemos estar felizes durante muito tempo, porque é que o seu inverso não acontece? Porque é que o estado normal das coisas é sempre mau? Porque é que não pode ser o contrário?
Calculo que a minha felicidade e o bem estar que atingi nos últimos dias tenha irritado os deuses, que prontamente trataram de engendrar algo que me deitasse abaixo. Pois conseguiram. Uma série de maus sentimentos surgiram no meu peito. Outros tantos pensamentos negativos atravessaram a minha mente. Fiquei fisicamente indisposta. Mas não quero estar assim. Fico triste por estar triste. Decido que é preferível voltar aos sorrisos e à leveza de espírito.
Pois é, deuses maléficos. Empurraram-me, mas não me derrubaram. E se tentarem de novo, até posso cair, mas tornarei a levantar-me.
Por mais escassos e curtos que sejam os momentos bons, eu dou-lhes o devido valor e agarro-me a isso com unhas e dentes. São eles que me injectam a energia necessária, que me fortalecem. São eles que ocupam aquilo que me compõe e que não deixam espaço para o que não quero para mim.
Hoje, venceu o bem! J

11 julho, 2012

Dark skies & shining stars


Naquela noite, decidimos ir ver as estrelas. Disseste que havia um sítio especial onde as costumavas ir ver sozinho quando eras mais novo. Querias partilhá-lo comigo.
Descemos a ladeira quase às escuras, levando nos braços uma manta, porque os dias no Alentejo são quentes, mas as noites são frias e com uma cacimba que se entranha na pele.
Sentámo-nos no banco de cimento, muito juntinhos um ao outro e com a manta à volta de ambos os corpos. À nossa frente, um céu imenso, muito negro com um manto monumental de estrelas de diferentes brilhos e tamanhos. O mar revoltava-se, estendendo-se sobre as rochas fazendo um som inconfundível. A luz que se esfumava já muito para lá da linha do horizonte, aquecia todo aquele cenário onde apenas se viam alguns barquinhos ao longe. A falésia à nossa frente guardava agora os nossos segredos, enquanto contemplávamos as estrelas cadentes que rasgavam o céu...
Agora e há distância de alguns anos, volto ali para ver as estrelas sozinha e relembrar a perfeição daquele momento. Sei que também o fazes quando ali voltas nos teus verões e nos teus invernos. Imagino-te, com o olhar pensativo, a puxar de um cigarro e a contemplar tudo aquilo sozinho. Naquela paisagem que é tão grandiosa e o quão pequeno te sentes ao olhar para o banco e ao ver que o lugar vazio ao teu lado permanece frio, ausente de mim. Pensas apenas: “... será que algum dia voltaremos a ver as estrelas juntos?”


É nas noites em que o céu está mais negro, que verás as estrelas mais brilhantes.

26 junho, 2012

Mundos Mudos


Paralelo #2 - daqui

Logo pela manhã, chego à entrada do teu quarto, aquele que um dia foi nosso. Entreabro a porta, que precisa de arranjo e, como já é habitual, range. Range o suficiente para te acordar. Tens o olhar meio perdido, talvez pelo sono, ou talvez não me consigas vislumbrar porque estou em contraluz. Ficas parado durante algum tempo, como que para ter a certeza da minha presença e eu permaneço imóvel para não te assustar. Disseram-me que é melhor assim. Olhas-me com uma incerteza estranha, como se a imagem que vês parecesse focar e desfocar alternadamente, sem te dar tempo para conseguires precisar o que vês, sem te dar tempo de me reconheceres. Foi assim nas primeiras vezes, nas primeiras manifestações, naquelas em que nem eu queria acreditar. Aproximava-me, sem te tocar, mas à distância suficiente para me reconheceres, à distância suficiente de tudo o que ainda não te foi permitido esquecer.
Os dias foram passando na ausência de ti. Apenas o teu corpo subsistia ali, mas não eras tu. Nunca saí do teu lado. Passavas a maior parte do tempo ausente, absorto nos teus pensamentos, num mundo distante. Distante de mim, distante de nós. Deste nós por que tanto lutaste, que tanto cuidaste e que agora nos era arrancado desta forma tão vil. 
Por vezes, olhavas-me. Ficavas assim a observar-me e a acompanhar um gesto meu. Talvez isso fosse algo que te pudesse trazer de volta, pensei eu tantas vezes na minha eterna esperança. Mas ficavas apenas assim. Num corpo que era o teu, mas que estava vazio de ti. Inanimado, desanimado.
E eu sentia-me tão triste, tão angustiada. A impotência de não poder fazer nada. Sentia um oco no lugar do coração. Mas nunca chorava. Nunca. Chegava-me a certeza de que ainda te restavam memórias de mim. Memórias de aquilo que um dia fomos. Na verdade, nunca me conformei e permaneci sempre ao teu lado.
Levava-te a passear nos dias de sol, naqueles em que parecias mais perdido.

Hoje foi o dia mais longo do ano. Uma sexta feira de um intenso azul. Um azul que fazia lembrar o mar quando ainda éramos nós e íamos passear juntos. Deitávamo-nos à sombra dos pinheiros mansos...
Mas hoje, ficámos apenas sentados, assim durante muito tempo, junto ao rio. Nem sei precisar quanto tempo passou. Eu e tu, uma aragem invisível e os raios de luz que rasgam a água fria. Não existem palavras. Apenas intenções. São gritos mudos daquilo que vai ficando por dizer, palavras outrora proferidas por uns lábios ainda falantes, agora apenas guardadas dentro de mim. E sei que também dentro de ti.
Viras a tua cabeça na minha direcção, a tua mão avança na procura da minha, entrelaças os teus dedos nos meus. E, pela primeira vez em muito tempo, uma lágrima surge no meu olhar. Torna o meu mundo desfocado e talvez um pouco mais parecido com o teu. Por breves milésimos de segundo, pareces reconhecer-me. Tenho quase a certeza. Mas não passa de uma ilusão. Volta aquele olhar confuso que devolve uma incerteza que não reconheço.

Talvez esta tenha sido a última vez, talvez nunca mais vejas o meu rosto, agora um pouco diferente daquilo que te lembras devido ao pesar dos anos. Tal como os meus dias, também os meus olhos escureceram e já não guardam o brilho que iluminava o nosso passado.
Amanhã, todas a memórias serão apagadas e não te lembrarás mais dos escassos momentos em que me voltaste a ver. 
No passado, dizias que eu era o teu anjo. Hoje sei que sou apenas o teu fantasma. Alguém que continua ali, pacientemente à tua espera para quando voltas a esta realidade. Quem me dera poder ir ter contigo, a esse teu mundo. Encontrar-te para voltarmos a ser nós. Quem me dera poder exorcizar os teus fantasmas...

25 junho, 2012

Lusco Fusco

Cheguei a casa numa tarde quase noite. O relógio ditava a noite, mas a luz era de final de tarde. Aquele lusco fusco, que não me deixa ver bem e que é uma parte do dia de que não gosto particularmente, desta vez deixou um agradável sabor. As andorinhas voavam e piavam desalmadamente fazendo razias a tudo o que encontravam pelo caminho. A cor morna dos últimos raios de sol pintava as fachadas dos prédios. Os candeeiros de rua acendiam-se devagar. Não se via vivalma. Nem carros arrastando-se pelo asfalto. Nada. Parecia um cenário de um filme. Havia apenas um silêncio estranhamente confortável. Até abrandei o passo. Parecia algo entre o real e o onírico.
A vontade em ir para casa não era nenhuma e pensei em alterar a trajectória e ir até ao jardim. Mas a luz começava a escassear e decidi adiar este desejo. Sorri e continuei a caminhar sentindo o vento quente ainda a queimar o rubor das faces. 

15 junho, 2012

Desde Pequena


Sempre foste assim. Desde pequena. Sei que és boa pessoa, porque não suportas injustiças. És confrontada e, mesmo sabendo que tens razão ou que não fizeste mal nenhum, tremes que nem varas verdes. Chega-te a dar a volta à barriga. Isso só acontece a quem sente as coisas de forma genuína. Mas não quebras, manténs-te erguida. Lutas, chegas-te à frente. Defendes os justos e os injustiçados. Morres por dentro perante pessoas tacanhas e mesquinhas. Revolta-te que a dor de uns possa ser o prazer dos outros. Continuas a lutar, mesmo sabendo que possas ser incompreendida. Sabes que te sentirás melhor se te levantares e falares. Porque não suportas que esses nós te fiquem presos na garganta. Não te escondes, não viras costas, não te resignas.
Defendes quando sabes que tens que defender. Calas quando sabes que os outros se podem defender por si próprios. Sabes reconhecer quem é e quem não é. Sempre foste assim. Desde pequena. Mesmo que possas sair prejudicada, continuas a fazê-lo. Nunca foste de passar a mão pelo pêlo de ninguém só porque fica bem. Nunca te juntaste a rebanhos. Preferes ser a ovelha negra do que ir contra àquilo que defendes só porque é socialmente conveniente. E levas porrada tantas vezes... Às vezes, com tanta força e tão consecutivamente que nem sabes de onde elas vêm. Mas é inevitável. Cais, levantas-te, sacodes as calças e segues em frente. Continuas a ir para a frente de batalha, de peito aberto e coração na mão. A alma exposta para quem a quiser ver, para quem a souber compreender. Mesmo que assim, vulnerável, possa ser magoada muito mais facilmente. Corres esse risco. Uma e outra vez. Caramba!
Há quem te admire. Há quem te deite abaixo, pelo simples prazer de ver o outro cair.
Há quem caminhe ao teu lado, pois pensa da mesma forma que tu. E, no fundo, te reconhece. Não adianta tentar modificar a matéria de que as pessoas são feitas. E tu... Sempre foste assim. Desde pequena.


12 junho, 2012

A mente dos justos



Penso naqueles que ficaram pelo caminho. Quisera eu ser igual a tantos outros e libertar-me daquilo que me toma por assalto. Mas não consigo ter essa insensibilidade, superada pela mágoa que me enche o peito. Não podendo lutar por aqueles que perdi por via da morte, tento fazê-lo pelos que perdi por outras causas. São aqueles que se vão sem qualquer justificação, sem que consiga perceber o que os infligiu. Os mesmos que continuam a sorrir noutros lugares, a brindar na companhia de outros olhares.
Nunca caminharás sozinha”, ouvi eu tantas vezes. Custa mais, porque sei que estas palavras foram proferidas de forma genuína. Tenho a certeza.
Pedi desculpa por erros que não cometi, pois não podia sequer admitir a possibilidade de vos ter magoado. Corri atrás, da única forma que me foi possível, pois jamais me foi permitida uma aproximação.
Consegui perceber que esta guerra não era minha. Foi nessa altura que me calei. Decidi esperar que os dias de raiva ficassem para trás e que alguma clareza pudesse iluminar a mente dos justos. Mas nada aconteceu… Apenas o vento trouxe algumas palavras que não chegaram ao destino de forma clara e distinta. Palavras que contrariam as acções, ou a ausência destas. Chorei onde outrora sorri…
Hoje, possivelmente pela última vez, defendi aqueles que penso ainda valerem a pena. Hoje, mais uma vez como tantas outras, levantei-me e falei. Incompreendida, mas não resignada, fui alvo de palavras tristes de quem jamais terá a capacidade de entender o essencial.
O essencial é invisível aos olhos” e nem todos conseguem aceder ao que lhes é invisível. Faltam-lhe as ferramentas necessárias, a abertura de espírito. Também não os julgo, todos temos limitações e não podemos ser todos iguais. Mas mesmo que para estes eu possa ter sido uma pedra no sapato, que seja relembrada por dizer sempre o que penso. Que eu me tenha destacado por ter tido sempre essa coragem.
E agora, ao caminhar sozinha, sinto um vazio dentro de mim. Uma espécie de gosto amargo e despido de sentido. Aquilo que tenho para partilhar, vai ficando pelo caminho sem quem o suporte, vai se desfazendo como tantas outras coisas em que deixei de acreditar.


05 junho, 2012

dos sonhos


Ao percorrer esta estrada, cheia de curvas estreitas, vou perdendo um pouco de mim. Vou deixando escapar por entre os dedos os sonhos que em mim habitaram. Ficaram lá no passado, perdidos entre ilusões que já não consigo vislumbrar. Tão disformes que já nem me consigo lembrar de que matéria são feitos. Vão perdendo a força que tinham outrora, dando lugar a cruas realidades que nunca desejei. Visões amargas que compõem o caminho, mas que não quero guardar para mim. Dizem que fazem parte da pessoa em que eu me vou tornar. Fazem parte de um todo que sou eu. Mas eu não quero ser esse todo. Prefiro ser um nada aberto a um mundo cheio de possibilidades em que os pesadelos são postos de lado.


  
“Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada.
À parte disso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”
Álvaro de Campos

02 junho, 2012

Vestido sem cor



Não cometerias nenhuma imprecisão ao não conseguires especificar a cor do meu vestido. Porque, nesse fim de tarde, era apenas da cor que mo quisesses despir. Foi nisso que pensei quando cuidadosamente o escolhi, mesmo sabendo que dificilmente o desejo iria surgir.
Foste-me buscar a casa. Anunciaste que tinhas uma surpresa para mim e eu esperei em ansiedade que não fosse nada grandioso. Ia-me custar que te continuasses a esforçar tanto por aquilo que ambos já sabíamos perdido.
A minha mão vazia e despida seguiu na procura da segurança da tua. Uma segurança disfarçada e que nunca senti, mas que desejei e incessantemente procurei no aconchego do teu abraço.
Chegámos ao destino e não pude deixar de sorrir. Tinhas preparado algo realmente especial. Confesso que deixei à porta a tristeza que sentia e, por momentos, consegui relembrar o porquê de me ter apaixonado por ti.
Mas essa tristeza, essa mágoa que tinha e que deixei apenas a uns passos de distância, caminhou ao longo do soalho escuro de madeira corrida e descansou sobre a toalha da mesa, entre mim e entre ti. Entre este nós que era agora desfeito e confirmado na forma doce com que ainda contemplavas os restos da minha beleza. Aquela que ainda reconhecias em mim.
Por entre a luz trémula das velas, que tentavam romantizar o amor perdido, consegui disfarçar a lágrima que surgiu no meu olhar um pouco inebriado ao tomar consciência das conversas que já não surgiam e das mãos que já não se tocavam.
Senti que querias falar. Querias muito falar sobre algo que provavelmente não estaria bem resolvido dentro de ti, algo contra que lutavas mesmo perante tantas evidências. Mas as palavras prendiam-te a fala. Engasgavam-te. Era como uma luta quase patética entre o teu coração (esse que já não era meu) e a tua razão (essa que nunca entendi). Luta que não me atrevi a interromper. Era uma guerra que não me pertencia e que acontecia tragicamente num mundo onde, na verdade, nunca habitei. Um mundo que criaste e que me descrevias tantas vezes da forma mais doce, como uma melodia. Um mundo utópico onde me esforcei para entrar, porque o admirava como uma menina que vive na ilusão de um conto de fadas. Esse mundo que desdobravas em pequenos e grandes desejos, tão teus, em que te permitia fantasiar ao desnudar o meu corpo de um vestido sem cor.
Ao sair do restaurante, senti um frio cortante, um frio estranho que vinha de dentro. Colocaste o teu casaco sobre as minhas costas, ao invés de me abraçares. Aí percebi que jamais irias mudar. Encolhi os ombros e puxei o teu casaco contra a minha pele. O casaco emanava o teu perfume. Foi assim que o senti pela última vez.
Parei e entreguei-te um presente. Um livro que tinha comprado em tempos, quando ainda tudo fazia sentido. Não queria correr o risco de ficar com ele para voltar a encontrá-lo mais tarde num recanto qualquer, como aqueles pequenos pedaços de realidade que insistem em voltar para nos relembrar um passado que queremos distante.
Começa a chover. Ao contrário do normal, cai a direito. Para oblíquos já bastam os sentimentos que nos atravessam o peito e nos cortam o ar, pensei. A chuva cai a direito e ilustra as fachadas dos prédios em pinceladas que me fazem lembrar a tua caligrafia. Parece que de repente todas as paredes estão cobertas com as palavras que tantas vezes me dedicaste. Imortalizadas assim à vista de todos.
Entramos no carro. Deito a cabeça no teu colo. Fecho os olhos na esperança que voltes a brincar com o meu cabelo, que nele entrelaces os teus dedos, que destapes o meu pescoço na procura de uma réstia de inocência e que a desfaças na ternura de um beijo.
Mas é uma espera vã, que confirmo ao abrir os olhos e ao ver que estás embrenhado no livro que te dei. Ao ver que a noite continua escura e dói de novo. Questiono como nunca me soubeste ler, a mim, como nunca conseguiste discernir o que era importante, como nunca soubeste definir prioridades. E a tua, naquele preciso momento, deveria ter sido a de me envolveres nos teus braços. Fecho os olhos de novo, desta vez com força, com o intuito de me esconder. No fundo, não quero estar ali. Não daquela forma.
Concentro-me na chuva e no seu som metálico, mas o silêncio é rasgado pela tua voz embriagada quando me lês um excerto do livro. As palavras que dizem uma coisa estão impressas no teu tom que espelha precisamente o seu contrário. Afinal, também tu reconheces no que isto se tornou. E, incontornavelmente, beijas-me como se fosse a última vez. Um beijo como tantos outros, pois nunca nos queremos despedir definitivamente.
Saio do carro, levando comigo o coração pesado e o teu cheiro impregnado em mim. Hesito. Apresso o passo. Julgo ouvir-te a chamar por mim. Será? Fica a dúvida, pois nem sequer me atrevo a olhar para trás. Não é essa a imagem que quero guardar de ti, a imagem de te ires embora.
Fica tu com a minha imagem desfocada pela distância e desbotada pelas lágrimas depositadas no vestido sem cor.


27 maio, 2012

A força de um abraço


Entro no quarto. Olho-te. Nem sei se estás a dormir ainda. Estou com pressa, mas não resisto em deitar-me ao teu lado mais um pouco.
Estás deitado virado para o lado esquerdo, de costas para mim.
Enfio um braço por baixo do teu pescoço e o outro por baixo do teu braço direito. Abraço-te com força e dou-te um beijinho na nuca. Respiro-te.
Sinto a tua respiração suave e agora sei que estás acordado. Os teus dedos entrelaçam-se nos meus num gesto de confirmação. Aninhas-te. 
Ficamos assim durante algum tempo. Só assim.
Não são precisas palavras. A nossa intimidade é maior que isso. Sobrepõe-se a qualquer materialização. Basta-nos o sentir.
Tenho que ir agora. Apertas-me por não quereres que vá. Não preciso de te olhar de frente para perceber que uma lágrima te rasga agora o olhar.
Digo-te apenas: Que este abraço te envolva até ao momento em que me vires de novo.





24 maio, 2012

O outro lado da minha cama

Ontem, ao adormecer, senti a solidão na palma da minha mão vazia.
A tua ausência estava mesmo ali. Queria sentir um entrelaçar de dedos, dar-te um beijo de boa noite e talvez adormecer no conforto do teu abraço.
Mas essa ausência, vincada no vazio do espaço ao meu lado, abria caminho para que eu pudesse ser mais eu. Dava cada vez mais lugar a pensamentos dispersos e cada vez mais difusos. Numa dança estranha, esses pensamentos brincaram às escondidas nos recantos da minha mente. Perderam-se e reencontraram-se de novo, lá... do outro lado dos sonhos. 
Adormeci sem dar por isso. Devagar e tão imperceptivelmente que nem acordei o pesar da tua ausência do outro lado da minha cama.


22 maio, 2012

As palavras certas...


Tento agir sempre da melhor forma e nunca me permito falhar. Habituei-me assim.  Irrepreensível. 
Ao fim do dia e quando só apetece um pouco de sossego, surge uma discussão. Mais uma, igual a tantas outras. Deita-me ao chão.
Procuro conforto. Sem retorno. Parece que os outros também se habituaram à minha falta de falhas. Por isso, repreendem ou condenam quando algo me corre menos bem.
Desisto de tentar ser sempre melhor. Páro um pouco, porque sei que aqui posso ser eu. Aqui sozinha, escondida do mundo, na minha casa, posso baixar as armas e despir a alma.
Utilizo este cantinho para fazer espelhar aquilo que sinto. Pouco me importa se serei julgada. É o meu espaço, no meu tempo. E aqui posso ser o que eu quiser. Então...
... choro. Sinto-me sozinha.
Sinto a tua falta. Sei que só tu terias as palavras certas para mim neste momento. Trarias um copo com água e dirias para eu respirar fundo três vezes. Ouvirias tudo aquilo que tinha para dizer. Levavas por tabela e aguentavas com firmeza e paciência. Só tu me compreenderias. Só tu, na tua forma tão única de ser. Mesmo que não concordasses comigo, estarias ao meu lado. Fingias concordar, porque sabias que era exactamente isso que eu precisaria naquele momento. Mesmo que mais tarde e com mais calma, me fizesses ver as coisas de outra forma. Mas aqui e agora serias a minha melhor amiga. Como aliás sempre foste. Mas não estás mais aqui. E custa tanto...



21 maio, 2012

Dois

A propósito deste texto do Phyxsius e da ideia do MEC sobre o 11, tive uma conversa com o meu Pai em que lhe disse que ainda não tinha percebido o que é melhor. 
Se nos tornarmos num dois, ver a coisa a dois, para construir algo em conjunto, correndo o risco de perder a nossa individualidade, acabando por nos anular como pessoa, mas enaltecendo esse dois. 
Ou se é melhor manter essa individualidade num onze, respeitando também a do outro, conservando o nosso eu e, por conseguinte, o eu por quem o outro se apaixonou e vice versa, mas perdendo o sentido de comunhão.
Obtive a seguinte resposta: "Tu nem sabes o que é bom ser dois. Eu necessitava, e a tua Mãe também, de sermos dois. Mas só conseguimos ser onze. Tornei-me às vezes um dois desconjuntado, singular, individualizado. Hoje acho isso muito mau. Não existe individualidade sem o outro. Quando só havia Adão não se punha o caso. Quando só há um não se põe o caso. E digo... A vida a dois é algo sublime que supera o ser individual".
E com esta me calei...
A verdade é que sempre acreditei no dois. Mas passo a vida a bater com a cabeça na parede. E acho que apenas hoje me apercebi que só existe dois quando ambos querem uma mesma coisa. Caso contrário, surge uma coisa estranha que acaba sempre em lágrimas e corações partidos.

16 maio, 2012

Cry Me A River




Vagueias pelas ruas sem destino. Estás perdida dentro de ti. Decides sair, na procura de ar fresco. Precisas de sentir algo, procuras alguma lucidez.
Nota-se pela tua aparência cuidada que, antes de sair de casa, fizeste um esforço para te “mascarares”. Alteras o teu aspecto para que no fundo ninguém perceba o que realmente sentes. Mas nota-se no teu olhar que alguma coisa te perturbou profundamente. Sente-se que dentro de ti habita uma tristeza imensa. Caminhas com passos firmes como que expulsando os teus demónios, mas parece que vieram para ficar.
O teu cabelo desalinhado, que a todo o custo tentas arranjar, espelha os teus gestos nervosos. Tentas disfarçar e orientas o teu olhar para o horizonte na procura de um conforto qualquer, mas a dor no peito invade-te e sabes que estás a perder a pouca força que ainda tens. Custa-te a respirar.
É altura de deixar de lutar. Sabes que tens que parar um pouco, pois sentes que estás a perder o discernimento e o pensamento está cada vez mais confuso. O corpo fraqueja e impede que te mantenhas erguida. Sentas-te e ficas com o olhar perdido no chão. Nem percebes que começaste a chorar baixinho.
E é aí, nesse preciso momento, que um estranho aparece e te dá a mão...

03 maio, 2012

Porto de Abrigo

(Texto escrito a pedido de uma amiga, no seguimento de várias conversas e desabafos. A história é dela. Minhas são apenas as palavras...)


Achas que estar comigo não é o que queres para ti. Afastas-te. Terminas o estatuto. Já não somos nada um ao outro. Sai-te imediatamente um peso de cima. Sentes-te livre e sentes-te bem assim. Voltas a ser tu próprio e recuperas a tua rotina. Reavês o teu espaço e a tua liberdade.
Agora, fazes o que queres, com quem queres, quando queres. Sem compromissos, sem sentimentos. Uma miscelânia de sensações apenas. Vives assim durante algum tempo. Depois, há um dia em que te fartas. Ficas aborrecido por ser tudo muito monótono, previsível e sem qualquer sentido ou conteúdo. Decides ficar um pouco sozinho. Páras, olhas em volta e tomas consciência que te falta algo. Sentes-te angustiado. Falto eu. Faço-te falta.
Envias-me mensagens improváveis a horas impróprias. Assinalas momentos passados e enalteces o quanto fui importante para ti. Nunca te respondo. Nunca mais o fiz desde o dia em que te disse que me queria afastar. Continuas a insistir em fazer marcar a tua presença. Fazes questão de afirmar que te manténs aí, mesmo que com gestos subtís. Não entendo o porquê dessa atitude.
Eu segui a minha vida e tu seguiste a tua. Estive com outras pessoas, noutros lugares, noutras realidades muito diferentes da que tivemos. Senti-me bem lá. Sei que também fizeste o mesmo. Fazes questão de o mostrar.
Mas continuas a tentar manter uma ligação, mesmo que já não exista nada que nos aproxime. Sentes necessidade de manter esse porto de abrigo.
Nem sei porque continuo a pensar nisto. Talvez pelo simples facto de nunca teres desaparecido por completo.
Não me queres para ti, mas não queres que seja de mais ninguém. Não sabes se gostas mais de mim ou da tua liberdade.
No passado, houve momentos em que me aproximei de ti, porque precisaste realmente de mim (ou apenas de ter alguém ali ao lado) e não me pude negar. Não te pude negar a minha presença. Porque o sentimento ainda existia e ainda pensava que tudo era possível. Mas foi aí, no momento em que me sentiste tua, que já não me quiseste para ti. Tinhas feito a tua conquista. O teu objectivo foi cumprido. Eu já não te servia para nada, pois o desafio tinha acabado. E já não fazia sentido manteres-me ali. Não daquela forma.
Foi cada um para seu lado. Eu aceitei isso e segui em frente. Tu fingiste fazer o mesmo. Na realidade queres manter-me por perto, mas sempre a uma distância confortável. Queres que eu fique ali, disponível, para quando quiseres voltar, para quando te sentires carente e precisares de voltar ao teu porto de abrigo.
Que perfeito que seria, não era? Seria perfeito se fôssemos todos como tu. Sempre máquinas, desprovidos de qualquer sentimento ou emoção. Cumprindo os seus objectivos a cada dia, todos os dias. Apenas com escassos momentos em que poderíamos ser humanos, ter e demonstrar sentimentos. Escassos momentos em que nos esconderíamos do mundo e nos entregaríamos àqueles de quem realmente gostamos e a quem queremos bem. Rendíamo-nos ao toque, ao calor de um corpo. Poderíamos ser nós próprios, retirar as máscaras e amar sem restrições. Mas apenas por escassos momentos. Porque tu não és isso. Tu és aquele que se disfarça todos os dias. Dono e senhor da razão e que olha os outros com desdém. Aquele que gosta de manter as aparências e que julga viver uma vida de boémio. Mas desengana-te, pois não é nada disso.
Eu conheço-te. Conheço-te bem melhor do que tu pensas. E é por isso que não te quero para mim. Desisti de ti em prol de mim própria. Decidi procurar a minha felicidade longe de quem não me ama. Pois, na verdade, nunca amaste ninguém. Talvez por não te amares a ti próprio. Podes dizer que não e negá-lo com todas as tuas forças, mas sabes que essa é a única verdade que tens como certa.
Se não me queres para ti, então afasta-te de vez. Eu já não estou no lugar onde me deixaste. Estou num outro lugar onde jamais irás aceder. Por isso, liberta-te dessa ilusão que não existe, que criaste e que tentas manter.
E mesmo que um dia me queiras de volta, será apenas porque estás sozinho. Pois é assim que vais acabar. Vais olhar em volta e vais perceber que não existem pessoas reais à tua volta e que todos seguiram com as suas vidas menos tu. Hás-de me procurar e eu não existirei mais. Serei apenas uma ideia dentro da tua cabeça, uma sombra no teu coração. Serei apenas alguém que existiu num passado distante. 


"Somebody that you used to know".



13 abril, 2012

Passado presente

Quando o passado te persegue, te prende e te puxa, quando queres seguir em frente e vês que afinal não saíste do mesmo sítio, quando falas demasiado sobre o que já passou, quando revives em conversas momentos da tua história, quando contas o que deves e o que não deves, quando partilhas momentos que deviam ter ficado guardados, quando és demasiado influenciado por quem já seguiu em frente, quando queres a todo custo afundar os teus navios para esquecer e não consegues, quando te sentes triste e revoltado por sentires a perda de quem já há muito não faz parte dos teus dias, é porque queres que esse passado que te persegue, te prende e te puxa, faça agora e para sempre parte do teu presente.


02 abril, 2012

02.04.42

Hoje é o dia do teu aniversário...
À meia noite o telefonema do costume não aconteceu. Fiquei apenas a olhar para o telefone a ver a viragem da hora e do dia. Em silêncio...
Dormi mal. Pior do que nas outras noites em que durmo mal.
Não fui ao cemitério, porque hoje foi dia de trabalho. Fui ontem. Deixei-te flores frescas, como em todos os domingos.
Fui à missa das sete, na Basílica da Estrela. Depois, passei de carro à porta da casa onde nasceste. Um dia ainda a vou comprar, em tua homenagem.
Espero que estejas bem. Nós estamos contigo. Agora e para sempre...


28 fevereiro, 2012

Mais um dia...


Hoje foi o dia mais difícil. As horas foram passando e a ansiedade foi crescendo dentro do meu peito. Foram surgindo gestos nervosos que não reconheço. Não sabia o que fazer com as mãos. O coração dispara e respirar torna-se difícil. Tento disfarçar. Pensar noutra coisa qualquer. Não quero que ninguém repare que estou assim.
Ao revelar a alguém que por vezes me vou abaixo, dizem-me que estou no meu direito, que posso deixar cair as defesas, que ninguém me vai julgar ou deixar de gostar de mim, que há muitas pessoas que acreditam em mim. Mas não é essa a questão. Recuso-me a ceder. Explico que, se cair, me vai custar mais a levantar. Na verdade, tenho medo de cair, de me deixar levar por este turbilhão e não conseguir voltar. Sei que se cair não vai lá estar ninguém para me apanhar. Pois, por mais que digam que sim, eu sei que na verdade estou sozinha. Como todos nós. Passamos a vida à procura de alguém que nos acompanhe, alguém em quem possamos confiar e que incondicionalmente estará lá para nós. Mas na verdade isso não existe. Estamos sozinhos no mundo e apenas nós próprios podemos aprender a ultrapassar o que nos faz sofrer. Eu sinto isso. Eu sei isso.
Estou sozinha. Quero-o assim. Por mais gente que tenha à minha volta, nunca será a companhia certa, porque continuo à espera que tu voltes. Continuo à espera que o telefone toque para ouvir a tua voz. Combinar um lanche no café novo que abriu ao pé do Rato. Reparei hoje. Queria partilhar isso contigo. Queria-te convidar. Imagino-o na minha cabeça. E sei que, no fim, nunca me deixas pagar a conta. Sorrio por momentos…
Tenho medo de adoecer, pois ninguém me cuidará como tu.
Tenho medo de ir cortar o cabelo. Estamos todos a precisar, mas ninguém ainda foi capaz. Ninguém ainda foi capaz de desfazer o que fizeste. Talvez na esperança ilusória que possas voltar e que tudo não passe de um pesadelo.
É triste demais e tu estás em todo o lado. Dizem-me que nunca andarei sozinha. Bem sei... Tu estarás sempre comigo. Mas mesmo assim, está a ser muito difícil…



"A tristeza às vezes é tão forte
Que é mais fácil fingir que não houve morte."

21 fevereiro, 2012

Dente de Leão

Por vezes, ficamos absorvidos por nós próprios. O mundo gira a uma velocidade tal que ficamos concentrados num ponto e esquecemo-nos do que está à nossa volta.
Posso evitar escrever agora, mas venho sempre aqui para ver os posts dos blogues que sigo. No entanto, alguma coisa parece não estar bem. Falta alguém…
É quando decido parar por alguns instantes, olho em volta e lá estás tu, no teu canto. Agachada a pensar nesse teu mundo onde nunca ninguém entrou.
Espero um pouco e fico só assim, a observar-te. Decido então, mais uma vez, ir-te buscar. Pois sei que já não adianta chamar-te ou perguntar por ti. Aproximo-me, baixo-me e sento-me lentamente ao teu lado para não te assustar. Olhas para mim, com esses teus olhos tristes, e eu sorrio devagar. Fico a pensar se estarias à minha espera. Estico a minha mão na direcção da tua. Estás fria. Aperto um pouco para que sintas o meu calor e para que te sintas confiante de novo. Ergues-te. Trago-te até cá fora, sem nunca te largar a mão, e sentamo-nos num banco do jardim. Aqui, podes respirar um pouco de ar fresco, apreender alguns raios de sol neste inverno frio e sentir o cheiro da relva ainda fresca pelo orvalho da manhã. 
Ficas um pouco apreensiva, mas pareces mais calma. Talvez até um pouco revitalizada. Reconheces dentro de ti que precisavas de sair um pouco, respirar fundo. E eu fico mais tranquila por saber que ainda aí estás e que ainda te consigo dar algum conforto através de um gesto simples.
É então que me distraio com outra coisa qualquer. Sem querer, volto à minha realidade, fazendo cumprir a responsabilidade dos dias. Volto para me ocupar de outros afazeres, da minha vida, da vida dos outros, da minha vida com os outros. Mas daqui a algum tempo sentirei de novo a tua falta. Talvez já estejas de volta ao teu canto, talvez ainda permaneças no banco do jardim a observar os dentes de leão. Ou talvez tenhas voltado também à tua realidade.
Espero que estejas bem e que em breve possa ter notícias tuas. Até já…



Para ti J.
E para todos aqueles que precisam de ser resgatados de vez em quando.

16 fevereiro, 2012

Ainda é cedo…



Já várias pessoas me têm dito que há muito tempo que não escrevo, que sentem falta da minha escrita, que não devo parar. No entanto, estou a passar uma fase muito difícil na minha vida e não tenho nem tempo nem disponibilidade mental para escrever. Talvez o que não tenha mesmo é disponibilidade emocional.
(E eu que pensava que já tinha passado por algumas… Afinal, não. Isto agora dói como nunca tinha doído. Agora é que me apercebo o que é realmente sofrer a perda de alguém).
Como tal, tenho-me afastado do papel e da caneta. Embora o faça com alguma relutância, faço um esforço por não escrever. Mas a verdade é que nenhuma palavra parece bastar…
Tenho medo. Fecho-me. Talvez por não querer enfrentar a realidade tal como ela é. Custa-me a aceitar. Não quero acreditar que isto aconteceu. Não o quero assumir dentro de mim. Tal como não fui capaz de deitar a primeira terra sobre o teu caixão. Não me queria despedir de ti…
Lido mal com a morte. Muito mal. E, talvez por isso, me esconda de mim própria, da minha dor e finjo que está tudo bem. Tento pensar o mínimo possível sobre as coisas. Distrair-me com o trabalho e com os amigos, com coisas fúteis, para não pensar naquilo que realmente me atormenta os dias e as noites.
Ainda é cedo demais para falar sobre isto. Ainda é cedo demais para ir ao cemitério e ver que já retiraram todas as flores. Ainda é cedo para arranjar a campa, pois a terra ainda não assentou. Ainda é cedo para me despedir, pois ainda não te disse o que sinto por ti. Ainda preciso demais de ti para que te vás embora. Ainda é cedo demais, pois ainda não acabei de te amar…