27 maio, 2011

(des) animé

Procuro imagens, sons… Procuro palavras… procuro qualquer coisa que me instigue e me faça transpor para o papel aquilo que atravessa o meu pensamento. Mas nada parece bastar. Tudo sem cor, sem sentido. Nada me suscita a curiosidade ou sequer vontade do que quer que seja.
Apatia… Fico assim parada, imóvel, inerte. Sinto a superfície do corpo quente, mas por dentro tenho um cubo de gelo que imobiliza qualquer emoção.
É mesmo assim. Tem que ser assim. Tenho que fechar um pouco a porta e minimizar os sentimentos, reduzindo-os a um quase nada. Carregar no botão do off e desligar. A frieza dará lugar ao que outrora me reconfortou.
Esta noite serei fria, despreocupada, ausente de julgamentos. Sem envolvimentos físicos ou emocionais. Desprezível até…
Serei uma sombra vazia de mim. Um corpo estranho e (des)animado. Mover-me-ei apenas com gestos automatizados e sorrisos por encomenda, pois sem qualquer sentimento tudo se torna artificial.
Existirão luzes e purpurinas, frases feitas e apertos de mão, poses e sorrisos de ocasião.
Esta noite vou sair e tu não vais estar ao meu lado. Ausentaste-te para outra cidade. Longe desta Lisboa que me compõe.
Mas tu vais lá estar e dar-te-ei a mão se me sentir sozinha… «¨»

04 maio, 2011

A Asma da Saudade...

Nunca pensei que fosse assim. Ninguém me disse que era assim.
O medo confunde-me o pensamento e sinto que me estou a perder nesta dor que parece não cessar. Uma ansiedade apoderou-se do meu corpo como um vírus letal e, por vezes, pergunto-me se já não terei morrido.
Tudo aquilo por que lutei e em que acreditava desvaneceu-se sem que eu o pudesse evitar. Uma asfixia agonizante faz-me agir de modo diferente àquilo que sou e que realmente me compõe.
Perdi tudo o que tinha e estou sozinha pela ausência de um ser superior que me diziam acompanhar. Será que vale a pena continuar?

É tudo uma ilusão, porque na verdade nada subsiste a não ser na nossa memória e nos nossos corações. Porquê entregarmo-nos às coisas que sabemos que nos vão fazer sofrer? E choramos pelo inconformismo de sabermos que o tempo não recua e que jamais desfrutaremos da companhia daqueles que perdemos e que eternamente amamos.
Sentimos um nó na garganta e revoltamo-nos... Odiamos tudo e todos: as pessoas, os animais, as árvores e o céu e as nuvens. Odiamos o ar que respiramos, porque custa a fazê-lo quando se está sozinho. Parece que queima por dentro. Respiramos fundo incessantemente na esperança que esta dor no peito seja expelida juntamente com o ar. E, quando pensamos nos que perdemos ou nos que ainda vamos perder, há uma força maior que nos atinge e que nem sequer nos deixa respirar. É a asma da saudade...

Tentei encontrar a força em coisas que sabia inúteis de modo a afastar a dor. Olhares profundos e reprovadores trespassam a fronteira do meu corpo e percorrem as entranhas até atingirem a alma, ferindo-a como um punhal que escava lentamente o meu sepulcro ainda desabitado.
Nunca pensei acabar assim. A força que dizia possuir abandonou-me por completo.
Espero assim por dias de sol em que o mar seja a minha companhia e que um sorriso breve possa surgir sem receio…


03 maio, 2011

Game Over!

Não tenho por hábito publicar textos demasiado específicos. Mas, no seguimento de uma conversa em que me diziam que tenho uma escrita demasiado intensa, pediram-me para mostrar algo que fosse realmente agressivo. Escolhi este texto que estava guardado, mas que ilustra bem os maus sentimentos que por vezes também fazem parte de mim. Segue então algo que foi escrito num vómito...





A vida não é como tu pensas. Ou, aliás, eu não sou como tu pensas.
Pões e dispões de mim como e quando queres. Hoje apetece-te e é bom, amanhã julgas que me tens na mão e desprezas-me. Depois vens e solicitas a minha atenção, como se eu tivesse que me mostrar sempre disponível. Não é assim. Pode ter parecido ser assim no passado, pois estava fraca e precisava da tua presença para me sentir bem. Hoje não me és imprescindível. Por isso, se me queres, tens que lutar por mim. Se é apenas uma queca que procuras, então esquece. Procura então outra pessoa, como o fizeste tantas outras vezes. Ficas triste, porque comigo é mesmo bom e disso não tens a menor dúvida. Mas não se pode querer ter tudo e, quando se quer muito muitas coisas ao mesmo tempo, há sempre algumas que ficam pelo caminho. Algumas que escapam por entre os dedos. E quando olhas para trás, percebes que te eram realmente essenciais, importantes para o teu bem-estar, para a tua sanidade mental.
Procuras recuperá-las e percebes que não será assim tão fácil. Questionas-te mesmo se não será já tarde demais. Mas não sou eu que vou responder a essa pergunta. Se queres muito, luta. Terás que fazer por merecer aquilo que no passado te foi dado de mão beijada. Aquilo a que, só agora depois de o teres perdido, consegues dar o devido valor. Consegues perceber do quanto precisas disso. Aquilo que já tiveste vezes sem conta e que desprezaste outras tantas vezes.
Pois para mim chega! Estou cansada deste sim e muito, mas só de vez em quando… Deste quero-te tanto, mas só durante um bocadinho… Deste preciso tanto de ti, porque destronaste todas as outras, como se isso me fizesse sentir bem. Como se fosse um prémio, depois de submetida a tantas comparações.
Sou a melhor sim, de todas as que já tiveste e ainda terás. De todas as que repetes ou que descobres e em quem tentas sempre encontrar um bocadinho de mim. Em vão… Sabes bem que me perdeste. E sabes ainda melhor que a culpa foi tua. Crucificas-te por isso. O sabor amargo que sentes na boca é o sabor da derrota a que nunca te habituaste. Pois aprende que a vida também é constituída de derrotas. Aprende com isso para que possas ser uma pessoa melhor. E aprende essencialmente que eu sou a tua maior derrota. Vive com isso, porque me perdeste!

02 maio, 2011

Passeio Nocturno





À noite, ele passeava pelas ruas estreitas e sombrias da cidade. O leve aroma da maresia trazia de volta os dias de Verão. Era invadido por reminiscências de outros tempos em que podia ser quem quisesse.
Ao fundo, captava uma música estranha e hipnotizante que guiava os seus pensamentos. Sorria, sentindo-se reconfortado com tudo o que tinha. Caminhava lentamente, respirava fundo como se apreendesse cada pormenor do que o rodeava. Ouvia todos os sons, sentia todos os odores, sentia a temperatura dos outros corpos. Era como se pudesse aceder a todo o mundo apenas naquele momento, apenas naquele lugar. Os seus pensamentos eram um conjunto de palavras e de sensações que bailavam na sua cabeça em sinestesias intermináveis.
A Lua lá no alto, tão indiferente, parecia que lhe sorria em cumplicidade. O Céu, negro de tão escuro, cobria toda a cidade, envolvendo-a num gesto de ocaso.
Ele sentava-se, encostava-se para trás e podia ficar ali um sem número de tempo, acedendo a um sem númeno de consciência ilusória de ser.
Essa atitude de sair para a rua à noite podia ser algo frequente, como podia acontecer por mero acaso. O calor subia então pelo corpo, os seus pés quase descalços, a roupa que ia pesando na pele, a respiração que se tornava mais profunda.
O burburinho que se fazia notar, vinha e desaparecia com a mesma rapidez. Por vezes, tentava captar partes de conversas e, observando os que passavam, ficava a tentar adivinhar como seriam as vidas de tais criaturas. Depois, rapidamente se esquecia de tudo e os seus pensamentos saltitavam daqui para ali. Não havia mais ninguém, era um momento só dele. Onde se sentia completo, por não ter de pensar em mais nada.
Ao longe, começava então a surgir a luz desconfortante da realidade e decidia que era hora de voltar. Inspirava profundamente e, no movimento inverso, expelia a noite e acolhia a claridade da vida banal.