13 abril, 2011

Infâncias Perdidas



Não, não tenho nenhum curso superior. Nem tão pouco me destaquei nas pautas da escola. Por vezes, tive a melhor nota da turma num ou noutro teste, mas nunca dei demasiada importância a isso.
Nunca passei horas intermináveis a estudar, nem nunca me colocaram palas como os burros para ver somente os livros da escola à minha frente. Para mim, o estudo sempre foi uma coisa natural, algo que gostava de fazer, sem nunca ter precisado ser lembrada ou obrigada a isso.
Estudava menos que os outros, sim. Acreditava e ainda hoje acredito que a vida não é só feita de estudo, ou melhor dizendo, de dias perdidos a “marrar”. Passei parte da minha meninice e adolescência a fazer outras coisas que também fazem parte da educação, ao contrário do que muitos pensam e defendem.
Eu esfolei joelhos a subir muros e a andar de BMX. Joguei ao “guelas” nas covas feitas por nós e ganhei “abafadores”. Piquei as mãos e as pernas nas ortigas. Fiquei até ao lusco-fusco a plantar alfaces até ficar com as mãos geladas por tanto mexer na terra. Colhi tomates e comi-os à dentada. Piquei-me em chuchus, provei uvas morangueiro, fiz nódoas de nêspera impossíveis de tirar da roupa. Comi marmelada e geleia feita com as gamboas lá de casa e espremi limões acabadinhos de tirar da árvore e não do frigorífico (daqueles que, quando os puxamos, vêm sempre com uma folha agarrada). Comi nozes apanhadas do chão depois de uma chuvada torrencial. Podei árvores e arbustos. Apanhei caracóis. Contemplei a primavera através de papoilas e malmequeres – e depeniquei-os cantando a ladainha que os acompanha. Comi sopa com as abóboras que nasciam espontaneamente. Conheço de cor o cheiro da terra molhada quando chove e o cheiro quente e adocicado dos frutos maduros no verão.
Aprendi todo o tipo de bricolage, pois sempre acompanhei o meu pai nas obras lá de casa. Casas velhas…
Tive sempre espaço para correr e brincar. Tive sempre espaço para os animais de estimação. Tive sempre “espaço” para estar à vontade ou com a música alta, por não ter que me preocupar com o olhar dos vizinhos da frente, pela ausência de prédios. Sei cozinhar, pois sempre assisti aos cozinhados dos meus pais. Sei fazer mil e uma coisas.
Então, digo em voz alta: àqueles que se gabam que são isto e aquilo, FIQUEM LÁ COM OS SEUS CANUDOS! Pois, por mais anos que vivam, jamais recuperarão as suas infâncias perdidas, desperdiçadas e iguais a tantas outras. Jamais aprenderão nos livros o que vivi e o que me foi ensinado. Agradeço por isso aos meus pais. Obrigada.
E para esses que se vangloriam e se “armam ao pingarelho” por ter um curso superior e que dizem que são melhores que os outros, que se dizem superiores porque estudaram para pensar, eu respondo citando o meu amigo Alberto Caeiro que “pensar incomoda como andar à chuva quando o vento cresce e parece que chove mais”.


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