21 abril, 2011

Pietà

Olho para a parede que está à minha frente e penso na hipocrisia das pessoas que lá penduraram aquele crucifixo. Aquela figura de Cristo é triste e hirta.
Tem pó e já ninguém repara Nele. Para quê então relembrá-Lo no ponto mais alto do seu sofrimento? Uma coroa de espinhos, mãos e pés cravados na cruz, o escárnio injusto…
Alguns diriam que esta figura simboliza o sacrifício feito por nós. Como podemos então dar valor ao sofrimento de alguém? Não entendo como podemos viver tendo por base o sofrimento alheio.
Cresce uma vontade de acabar com aquela agonia; tirá-Lo da cruz, pô-Lo no nosso colo e afagar-Lhe o cabelo escorrido de um sangue ainda morno.
A sua cabeça pendente roga sofregamente por piedade – por uma piedade que é esperada há dois mil anos…





19 abril, 2011

A Janela do 8itavo Andar




Entrei devagarinho. A casa estava morna apesar da chuva lá fora. Uma tempestade de relâmpagos rasgava o céu.
Bebemos vinho até a palavras surgirem sem receio e até a proximidade dos corpos ser mais evidente. Mãos quentes, olhares que se cruzam e a constante negação de tudo aquilo.
Levantei-me e abri a janela para contemplar a noite ilustrada de luzes e com um cheiro intenso a chuva. Encostei-me ao parapeito e, sem aviso, tu encostaste-te a mim e falaste com jeito de menino.
A trovoada lá fora não cessava. Os teus gestos pediam algo mais, mas estancavam no receio de uma reacção indesejada. Pretendias que entrasse no teu mundo, mas isso não aconteceu. Restou uma confusão de sentimentos sem nome e de pensamentos sem sentido. E uma sensação agradavelmente inexplicável.
E agora que não chove lá fora, surge a melodia que transporta o que nego sentir – “be my shelter and I will be your storm”…




16 abril, 2011

Nothingman

Olho-te e vejo o teu olhar perdido.
Ouço histórias sobre ti e custa-me a acreditar que sejam verdade.
Eu vejo em ti muito mais do que isso…

Ontem, enquanto dormias abandonado ao cansaço acumulado, fiquei por momentos a velar o teu sono… Observei os pormenores da tua face. Queria aproximar-me de ti, tocar-te levemente, dar-te beijinhos intermináveis e ficar só assim, durante muito tempo até perceberes que não te quero mal.
Gostava de te mostrar aquilo que podes ser. Sei que houve momentos em que te assustei, mas também sei que nunca te magoei. Não te defendas tanto. Também eu aprendi que a agressividade não é a melhor arma.
Vejo-te a ser ridicularizado por alguns que te são próximos, pois já tentaram fazer tanto por ti que te perderam o respeito. Acabam por desistir, sabendo que não acreditas em ti próprio. Isso custa-me…
Apetece-me abanar-te para que acordes para a vida. Mas quem sou eu que nada sei de ti, quando afinal só precisas de ti próprio.
Quem me dera que pudesses ver aquilo que vejo quando olho para ti.
Ontem diziam-me: “Ele não tem ninguém!...” – Caramba, o que me custou ouvir aquilo e não poder reagir. Estavas ao alcance das minhas mãos, mas simultaneamente tão inacessível, quase intocável.

Só queria aproximar-me de ti e sussurrar-te ao ouvido - Não tenhas medo… És maior do que o mundo e não o nada que fazem de ti.
Isn’t it something?...







14 abril, 2011

…Um beijo na face


Relembro-te à distância de alguns anos, que são mais do que aqueles que estivemos juntos. Hoje hei-de te ver ou rever, mas não sei se vou sequer olhar para ti. Não sei se os meus olhos vão encontrar os teus. Esses olhos de um azul sem nome e imperceptíveis a quem não os sabe reconhecer.
Vou encontrar-te novamente e o meu coração vai disparar, as minhas mãos vão tremer e as palavras vão surgir com receio. Não serão as que julguei proferir todos estes anos, pois a ocasião assim o obriga. Não tem qualquer importância, porque há momentos em que nenhuma palavra é adequada e, por mais que precisemos de as ouvir, nunca parecem atenuar o que sentimos.
Permanecerei no silêncio e dar-te-ei um beijo na face. Apenas isso. Saberás que estive ali naquele momento, como em tantos outros. Tu seguiste a tua vida e eu segui a minha e o passado já lá vai, mas a história não se apaga.
Deixando para trás as lágrimas e o orgulho e não esquecendo os momentos em que sorrimos juntos, resta-nos a esperança em que talvez um dia possa surgir a reciprocidade de um olhar...

(...) E agora que já voltei, digo que me custou mais do que pensava, mas consegui envitar todas as lágrimas. No entanto, não me sai da cabeça o pormenor das tuas mãos... 



13 abril, 2011

Infâncias Perdidas



Não, não tenho nenhum curso superior. Nem tão pouco me destaquei nas pautas da escola. Por vezes, tive a melhor nota da turma num ou noutro teste, mas nunca dei demasiada importância a isso.
Nunca passei horas intermináveis a estudar, nem nunca me colocaram palas como os burros para ver somente os livros da escola à minha frente. Para mim, o estudo sempre foi uma coisa natural, algo que gostava de fazer, sem nunca ter precisado ser lembrada ou obrigada a isso.
Estudava menos que os outros, sim. Acreditava e ainda hoje acredito que a vida não é só feita de estudo, ou melhor dizendo, de dias perdidos a “marrar”. Passei parte da minha meninice e adolescência a fazer outras coisas que também fazem parte da educação, ao contrário do que muitos pensam e defendem.
Eu esfolei joelhos a subir muros e a andar de BMX. Joguei ao “guelas” nas covas feitas por nós e ganhei “abafadores”. Piquei as mãos e as pernas nas ortigas. Fiquei até ao lusco-fusco a plantar alfaces até ficar com as mãos geladas por tanto mexer na terra. Colhi tomates e comi-os à dentada. Piquei-me em chuchus, provei uvas morangueiro, fiz nódoas de nêspera impossíveis de tirar da roupa. Comi marmelada e geleia feita com as gamboas lá de casa e espremi limões acabadinhos de tirar da árvore e não do frigorífico (daqueles que, quando os puxamos, vêm sempre com uma folha agarrada). Comi nozes apanhadas do chão depois de uma chuvada torrencial. Podei árvores e arbustos. Apanhei caracóis. Contemplei a primavera através de papoilas e malmequeres – e depeniquei-os cantando a ladainha que os acompanha. Comi sopa com as abóboras que nasciam espontaneamente. Conheço de cor o cheiro da terra molhada quando chove e o cheiro quente e adocicado dos frutos maduros no verão.
Aprendi todo o tipo de bricolage, pois sempre acompanhei o meu pai nas obras lá de casa. Casas velhas…
Tive sempre espaço para correr e brincar. Tive sempre espaço para os animais de estimação. Tive sempre “espaço” para estar à vontade ou com a música alta, por não ter que me preocupar com o olhar dos vizinhos da frente, pela ausência de prédios. Sei cozinhar, pois sempre assisti aos cozinhados dos meus pais. Sei fazer mil e uma coisas.
Então, digo em voz alta: àqueles que se gabam que são isto e aquilo, FIQUEM LÁ COM OS SEUS CANUDOS! Pois, por mais anos que vivam, jamais recuperarão as suas infâncias perdidas, desperdiçadas e iguais a tantas outras. Jamais aprenderão nos livros o que vivi e o que me foi ensinado. Agradeço por isso aos meus pais. Obrigada.
E para esses que se vangloriam e se “armam ao pingarelho” por ter um curso superior e que dizem que são melhores que os outros, que se dizem superiores porque estudaram para pensar, eu respondo citando o meu amigo Alberto Caeiro que “pensar incomoda como andar à chuva quando o vento cresce e parece que chove mais”.


10 abril, 2011

de costas voltadas…

Estás de costas voltadas para mim.
Chamo-te, mas não me ouves.
Pergunto-te o que se reza quando já nada mais há a fazer. Sem resposta...
Choro sozinha no silêncio, na esperança que possas ouvir a minha súplica e sentir o quanto estas lágrimas me queimam.
Quem me dera que viesses aliviar a minha dor ou ensinar-me a lidar com isto.
Sinto-me abandonada por ti.
Sinto a alma rasgada pelos espinhos das rosas que não colhi.
Tento chamar a tua atenção. Grito sem esboçar uma única palavra. Os sons são absorvidos no vácuo. E tu, aí do alto, nem reages.
Não consigo sequer mover esse teu manto de pedra, pois continuas de costas voltadas para mim…


08 abril, 2011

noites passadas

Relembro a noite passada em que vieste quase sem querer. Aproximaste-te devagar tentando esconder a tua vontade em me ter.
Nesta cama que já arrefeceu, perdes-te nas linhas do meu corpo, na curva do meu peito, tocando cada centímetro desta pele que te faz esquecer quem és. Abandonas-te, deixando o mundo lá fora suspenso, pois precisas de descansar de ti, mesmo que seja só por uma noite. Precisas de mim e da calma que te proporciono. Precisas do refúgio do corpo que te sabe de cor.
Aninhas-te sem nada dizer, pois as palavras são demais. Dormes.
A manhã surge lenta rasgando docemente o escuro descanso do quarto.
Despedes-te com um beijo sobre a minha pele ainda morna e invejas-me, pois não podes ficar.
Sorrio e volto a adormecer, pois a responsabilidade dos dias hoje não me chama.
Agora, vou sair à rua, sentir o sol que brilha lá fora e, possivelmente, confessar-me às margens do rio.


07 abril, 2011

Diferentes Corpos. O Mesmo Ser...

Tenho saudades de dormir contigo. De te encontrar a meu lado quando acordo a meio da noite, sejas tu quem fores… Pois enquanto aqui estiveres e enquanto tudo for perfeito, hás-de ser sempre o mesmo. Mesmo que não sejas a mesma pessoa. Pois o alvo do meu Amor és sempre tu. O meu Amor não muda. Pode ter mais ou menos intensidade, mas é sempre Amor e é sempre sentido por mim. No meu corpo, com as minhas mãos, com a força do meu peito.
És sempre tu que procuro, sejas tu quem fores… Independentemente da tua identidade, das tuas origens ou da tua cor. És sempre tu, mesmo que tenhas diferentes vozes ou distintas formas de tocar. Mesmo que o calor do teu corpo não seja o mesmo, são sempre estes os dedos que apreendem essa temperatura. Mesmo que a tua pele não tenha a mesma textura, são sempre estes os lábios que te beijam com suavidade, são sempre estes os dentes que te mordem com luxúria. São sempre estes os braços que te puxam para dentro de mim. É sempre este gemido de que te lembras quando te masturbas. Sou sempre eu que estou aí, mesmo que possa não ser sempre a mesma. E é sempre para mim que tu voltas. Agora e para sempre…
E agora, à distância de palavras sem sentido, ficas aí sozinho a olhar para o espaço que existe ao teu lado e que um dia ocupei. Esse espaço que um dia foi meu por direito, pois eu era o motivo do teu sorriso e o motivo do brilho do teu olhar. Lamentas todos os erros do passado e reconheces que mesmo longe pertencemos um ao outro. Só assim faz sentido.
E eu aqui, à distância de sentidos sem palavras, tas dedico, sejas tu quem fores, nesta cama vazia de ti…





06 abril, 2011

Encontro Oblíquo

Não se vê uma nuvem no céu. Máxima prevista de 27 graus.
Ainda há apenas dois dias estava frio e chuva. Mesmo assim e por me encontrar no meu tão bem amado Alentejo, saí lá para fora logo pela manhã, entrei para o carro e dirigi-me para a praia. Nem que fosse apenas para ver o mar.
Quando desliguei o motor já a chuva tinha parado de cair. Abri a janela e fiquei a ouvir o marulhar revolto e algumas gaivotas. Ao longe, avistava-se apenas um pescador solitário. Caminhei até à areia molhada e percorri as rochas cobertas de poças e limos. Respirei fundo, mas não me consegui libertar da agitação da cidade que trago dentro de mim.
No caminho de regresso, o sol já vinha espreitando, anunciando uma tarde calma e aprazível. E assim se confirmou, após um almoço murado de peixe grelhado à beira mar.
As pessoas passeavam lentamente, pisando a fronteira entre a água e a terra e esboçavam sorrisos despreocupados. Algumas nuvens ilustravam o céu, mas o sol reflectido na superfície dessa mesma água, espelhava a sede de um dia melhor. O mar mostrava-se calmo e, devido ao encontro com a foz do rio, a rebentação era oblíqua como a chuva que caiu teimosamente naquela manhã…