30 novembro, 2011

Garlic nan & a smile

Hoje não me apetecia ficar em casa.
Passei o dia à espera da confirmação de um jantar com mensagens infrutíferas. Não queria entregar-me ao conforto do sofá como os habituais programas de tv como companhia.
Apesar do esforço, anunciava-se um serão igual a tantos outros. Porque, embora amanhã seja feriado, para mim é dia de trabalho.
Eis que me ligas e surge o convite inesperado. Olá! O que vais fazer? Nada. Vamos jantar? Vamos.
Sugeri o indiano perto da minha casa. Concordaste de imediato. Natural. Simples.
Não te via há mais de 6 meses, mas é como se tivesse estado contigo ainda ontem. Porque entre amigos é mesmo assim.
Falámos sobre ti. Sobre mim. Sobre viagens, literatura. Sobre outras culturas. Relembrámos coisas antigas e sorrimos em simultâneo.
Obrigada pela companhia e pelo jantar. Obrigada por estares aí da mesma forma. E essencialmente obrigada por seres meu amigo, desse teu jeito tão genuíno. Já me deste força em momentos tão difíceis… jamais irei esquecer.

O abraço final e o elogio que o acompanhou…

Resta-me desejar-te boa viagem ao encontro da Yoko e que Paris seja o início de uma bonita história.
Cá te espero, na alma de Lisboa. Com o mesmo sorriso…



12 novembro, 2011

Jardim da Paz

Este é o sítio onde gostava de voltar. Para sentir de novo a paz que me proporcionou. Sentir-me leve de novo e respirar fundo como o fiz lá no passado. Um passado recente.
Caminhei entre os budas e as estatuetas de pedra. Sorri e amei. Genuinamente.
Hoje, as figuras de terracota desfazem-se por entre os dedos. Os sentimentos que se diziam tão fortes são levados na brisa por entre as oliveiras dispersas... E no centro do lago, onde outrora surgiram juras de amor, as promessas afundam-se e os sorrisos amargam. E os abraços esquecidos lá longe, continuam onde foram deixados... quais estátuas petrificadas. Não consigo recuperar a doçura do olhar, pois nem o sal surge para eu desfazer.
Queria acreditar nalguma coisa, numa réstia de emoção. Mas a ilusão caiu e nada mais fará voltar o que afinal nunca existiu.
Resta-me abrir os olhos e acreditar no que é real e possível e não no ilusório, e não naquilo que eu desejei ter sido. E resta-me recuperar a paz perdida. Aquela que tinha antes das ilusões. A que construí sozinha, a olhar para dentro de mim, reconhecendo-me. Por mim, para mim. Agora e para sempre... em paz.



10 novembro, 2011

Aqui...

E é então que te digo que hoje estou um pouco angustiada. E tu vens e mais uma vez dizes que estás aqui para mim. E eu digo-te que dói partilhar o que sinto e que não quero passar isso para ti. E tu dizes que não faz mal, porque és forte e que aguentas mais do que a tua dor. E que suportas isso por que é meu, porque sou eu, porque é a minha dor. Tocas-me com as tuas palavras. Emociono-me, porque és muito parecido comigo na forma como sentes as coisas.
E é então que apareces devagar, com um ar exausto, mas com força suficiente para ainda me dar um abraço. Nada me exiges.
Tens os olhos mais meigos… E olho-te sem que te apercebas enquanto contas uma banalidade qualquer. Sinto que não estás bem. Embora me digas o contrário. Já nem sentes nada, porque vives já num estado de dormência. Habituaste-te a essa amargura.
E apetece-me envolver-te com os meus braços e ficar assim… para te proteger, para afastar a tua dor ainda que por breves momentos. Para que pelo menos não a sintas no momento em que estás ao meu lado. Para que sintas o conforto que procuras, para que possas descansar um pouco, respirar fundo e não pensar em mais nada. Para que te possas abandonar, porque sabes que aqui ninguém te faz mal.
Não o faço. Deixo-te ficar à distância de um toque, no respeito por mim, por ti e por outros. Para vingar as promessas que fizemos. E deixo-te ir, tão devagar quanto vieste, e fico aqui na esperança de te poder ver brevemente. 




04 outubro, 2011

Under water thoughts

Nadei na escuridão do teu pensamento...
Senti a tua dor e as tuas frustrações. Talvez por sermos demasiado parecidos. Talvez por termos dores semelhantes ou apenas por andarmos à procura da mesma coisa.
Sentes-te preso aos compromissos que te consomem e te inibem de seres tu prórpio. Sentes-te sufocado nos teus dias ausentes de liberdade. Preso a quem já nada te dá. Cresce a revolta e o desespero. Tens medo. Medo de tudo à tua volta, medo de ti. Medo do que possas fazer se um dia perderes o controlo.
Sentes-te perdido e sem forças. Afastas-te por uma noite. Deambulas sozinho pelas ruas da cidade. Cigarros, alcóol e um livro de poesia são a tua companhia. Libertas-te durante algumas horas e sorris. Mas de nada vale... está lá tudo na mesma. Da mesma forma, com o mesmo sabor amargo.
Na manhã seguinte, volta a rotina dos dias: as discussões, as obsessões, a possessão. O controlo exagerado que só te faz querer desaparecer dali. Fugir para outro lugar longe de tudo, longe de ti.
Mas ao invés, ficas e envolves-te cada vez mais num mundo de frustrações e infelicidade. Não consegues sair daí, estás demasiado enredado.
Tenho medo que seja tarde demais e que com o tempo te venhas a tornar uma pessoa amarga. Que deixes de acreditar no amor. Que percas os teus amanhãs e que te refugies onde outrora nadei...


02 outubro, 2011

Outubro Passado



Está a chover. Esteve assim o dia todo. Da janela apenas vejo as copas dos pinheiros mansos e a planície alentejana que se estende e se entende até tocar no horizonte.
O céu está carregado de nuvens espessas quase negras que vomitam uma luz branca que nos cega de tão forte.
A chuva cai oblíqua e hidrata os pastos secos pelo Verão. Da esquerda para a direita, como se de uma forma grave quisesse acentuar o meu estado de espírito.
As nuvens rasgam o céu tornando-o cada vez mais negro, querendo forçosamente afirmar a chegada do Outono. Quase que custa a acreditar que os dias de sol nos deixaram… Ainda ontem o sol raiava em força e o teu sorriso era gratuito. Sentiam-se ainda os corpos quentes e sedentos de uma aproximação, de um toque demorado.
Ainda ontem contemplei o último pôr-do-sol. O mais bonito. Digno dos céus em que habita e a fazer-se notar em todo o seu esplendor, ainda que em jeito de despedida.
A chuva bate agora na vidraça com maior força, parece querer chamar a minha atenção. Olho então pela janela e confirmo a aproximação do Outono e do tempo frio. A aproximação de olhares vazios promovendo a ferrugem dos sorrisos.
Parou a chuva. Parou o vento. Eis a suspensão meteorológica. Parou o tempo neste quarto frio e húmido.
Alguém deu umas pinceladas azuis no céu e o sol espreita envergonhado fazendo reflectir as gotículas de água que dançam na sama dos pinheiros.
As casas brancas e alguns cavalos dispersos pastam alheios a tudo desprovidos de qualquer preocupação.



30 agosto, 2011

Mind as well be blind


O lugar onde agora trabalho nem sequer tem janelas. As paredes são cinzentas, o tecto é cinzento e o chão é cinzento. A luz é artificial. O trabalho é monótono, mecânico. Chega a ser estupidificante. As faces espelham o conformismo. O hábito impera e ninguém se apercebe da realidade lá fora. As expressões sem vida, apodrecidas. Os olhares baços e inertes. Vive-se à parte do mundo.
Nunca sei se está sol ou chuva. Se é de noite ou de dia. Talvez o mundo tenha acabado lá fora e eu nem me tenha apercebido.
Resta-me concentrar-me na ideia de que a vida começa às dezoito horas. Até lá fico aqui nesta dormência de pensamentos, nesta ausência de luz. Nesta castração de raciocínio quase sufocante.
Só me apetece dormir. Não seria muito útil, mas certamente mais gratificante. Pelo menos partilharia os meus sonhos, ao invés deste marasmo incolor.

06 agosto, 2011

blind spot

Sim… Estou sempre na tua mente, mas nem sempre da mesma forma. E por vezes sou desviada para um canto tão recôndito da tua consciência que nem dás por mim. Fico no ângulo morto do teu pensamento. Estou mesmo ali, mas não me vês, não me ouves, não sentes sequer a minha presença. És desviado por maiores atenções, menores intenções, pelas luzes e pelo brilho. Ficas embriagado pelas inclinações e nem te apercebes que as coisas também a ti te escapam por entre os dedos.
As horas passam e o silêncio toma conta do meu mundo. É um vazio que não me pertence, uma sensação estranha que tento afastar. E que, apesar de tudo, a reconheço por já me ter atropelado tantas vezes. Vezes demais…
Afinal, estás aí, mas não estás. Vejo-te a ti, sinto-te e sei-te de cor.
Vou fugir daqui, deste espaço de ninguém. Deste silêncio que destrói e me consome. Vou erguer-me num repente, de esticão para não custar tanto. Vou agir como quando estava sozinha, pois foi assim que te apaixonaste por mim. Não me quero anular, como no passado. Recuso-me a viver na sombra… mesmo que seja a tua. Vou caminhar e, dizer como dizia antes, quem quiser que me acompanhe.
Não quero viver numa mentira, por mais bela que seja.
E um dia que espreites, porque alguma coisa me trouxe de novo à tua memória, pode ser que tenha desaparecido e não exista mais no teu ângulo morto…

PS. Or maybe I'm just too close for you to see me...

19 julho, 2011

Contagem Decrescente

A contagem decrescente faz-se agora com maior intensidade. Os números recuam e a ansiedade aumenta.
Faltam 3 dias… Para acabar o trabalho. Para ir de férias. Para regressar ao meu Alentejo. 
Adiar os problemas e suspender a realidade. Voltar a contemplar aquele céu estrelado e voltar a inspirar aquele ar, livre desta poluição e da maldade impregnada nesta cidade. Vou reencontrar as minhas praias de areia grossa, o meu mar azul, a minha calma…
Rever alguns amigos, cobrar alguns abraços. Comer peixe grelhado e entregar-me ao Murakami até ao pôr-do-sol.
Ouvir música, muita mesmo. A música do mundo que ecoa entre as paredes do Castelo, misturada entre o cheiro da hortelã….
Quero deixar para trás aquilo que está prestes a pertencer ao passado e que em breve não passará de uma lembrança sem significado. Numa semana, terei tempo para me libertar das amarras que agora ainda me prendem. Mais uma vez, voltarei reconstruída e preparada para enfrentar aquilo que me espera (embora hajam coisas para as quais jamais estarei preparada…).
Lisboa, espero que também tu tenhas tempo para descansar de mim. Estarei ausente o tempo suficiente para que sintas a minha falta, para que percebas o quanto precisas de mim.
Quando voltar será por inteiro, pronta para caminhar ao teu lado e para receber tudo o que tens para me dar. Voltarei revitalizada, um pouco diferente talvez, com a mente mais clarificada, com o coração mais disponível.
Espero que me recebas com um sorriso, pois também eu sentirei a tua falta…




08 julho, 2011

Cor de Chuva

Vais-me deixar e eu sei disso. Tento afastar esses pensamentos, pois são duros demais. Não penso. Não é uma questão de ignorar a realidade, mas sim uma espécie de negação. Embora esteja perfeitamente ciente da verdade dos factos, prefiro não sofrer por antecipação. Prefiro desfrutar todos os momentos que tenho contigo e não pensar nesse mal que te come por dentro.
Não tenho pena de ti. Não tenho porquê. És e sempre serás a mesma pessoa para mim, independentemente da causa daquilo que te vai levar para longe. Vejo-te a emagrecer de dia para dia, a desaparecer fisicamente. Mas a tua alma, que te compõe e tão bem te caracteriza, continua lá com a mesma força. A tua personalidade mantém-se bem vincada.
Admiro a tua coragem e a tua força de vontade. És a mais forte e a mais corajosa de todas as pessoas que conheci. Agradeço-te por teres sido assim toda a vida e por me teres ensinado a enfrentar todas as adversidades com dignidade. Os valores que me transmitiste não têm preço. Espero um dia poder também transmiti-los aos meus filhos.
Olho para ti e vejo a mesma pessoa. Pois, para mim, serás sempre tu, sempre única… insubstituível.
As tuas mãos, o teu toque, as tuas expressões, a tua sensibilidade, a tua atenção, o teu cuidado…
E a cor dos teus olhos… a cor da chuva… Esse cinzento que jamais esquecerei.
Mas recuso a despedir-me de ti. Recuso-me a dizer o quanto gosto de ti, porque nunca o fiz e se o fizer vai soar a despedida. Recuso-me a antecipar o inevitável e escolho viver ao teu lado enaltecendo o facto de existires e de ter o privilégio de conviver contigo presenciando a pessoa que és, sempre tão bonita…





"You still mean the world to me!"

29 junho, 2011

Até Lá Abaixo - Parte II


“Já acabei de ler o livro. Estou angustiada.” – Foram as primeiras palavras que me vieram ao pensamento quando fiz descansar a contracapa sobre a última página.
Envolvi-me muito com as histórias contadas e com a forma simples como o Tiago escreve. Tal como ele, fiquei com pena que esta viagem tivesse chegado ao fim.
De qualquer forma, sinto-me privilegiada por ter podido partilhar todos os momentos, mesmo que apenas no papel de mera leitora, “bem sentadinha no banco de trás do Yuran”, usando as palavras que o Fontes me deixou na dedicatória.

Quero-vos agradecer aos três e a todos os que possibilitaram a realização da viagem e a edição do livro. E quero-vos pedir para nunca desistirem de perseguir os vossos sonhos.
E com o mesmo sorriso franco esboçado pelo polícia que vos deu as boas-vindas a África do Sul, eu vou digo Obrigada.


PS – Espero-vos no FMM. J




27 junho, 2011

Petit Magicien

O teu coração batia forte.... Coloquei a mão no teu peito.
O pulsar do teu sangue no centro da minha mão.
Perguntei o que aquilo significava. Disseste que era magia.
Não quero magia. Não quero ilusão.
Já se atravessaram no meu caminho todos os possíveis ilusionistas com os seus truques.
Não quero mentiras nem verdades, quero só o tempo que virá.

22 junho, 2011

Triste Fado


Surge de novo este triste cansaço
Este peso que se arrasta num viver demorado
Este olhar moribundo de um sono acordado
Este sonho perdido num dia adiado

E a ilusão do desejo por demais encantado
E o pensamento nas trevas parece fechado
E a dor que no peito parece um pecado
E o olhar que se estende num horizonte vidrado

Na procura de um corpo outrora abraçado
Na sede de um beijo jamais demorado
Na esperança de um dia dizer obrigado
No momento em que a dor for posta de lado...

21 junho, 2011

Simple Request

Preciso de mais, de muito mais do que é possível imaginar. Preciso do mundo inteiro, deste universo e do outro, com estrelas, planetas e todos os et’s. Preciso de tudo o que já foi feito e do que ainda está por inventar. Preciso disto e daquilo, de um tudo e de um nada. Preciso do real e do ilusório. Do essencial e do supérfluo. Preciso do original, da cópia, do duplicado e até do rascunho. Preciso do espaço e do tempo. Preciso do fogo, da terra, da água e do ar. Preciso dos quatro ventos e de todos os pontos cardeais. Preciso do Sol e da Lua. Preciso de todos os sorrisos, de todos os abraços e de todos os olhares. Preciso do toque e do cheiro. Preciso do agora e do para sempre. Preciso dos segundos, dos minutos, das horas, dos dias, dos meses e dos anos. Preciso dos momentos guardados e dos esquecidos. Preciso de todos no geral e de ninguém em particular. Preciso do por acaso e do programado. Preciso do sem querer e do intencional. Preciso da vontade e da disponibilidade. Preciso das mensagens, dos telefonemas, dos emails, dos post’s e dos bilhetes simples. Preciso das viagens à volta do mundo e das escapadinhas ao meu Alentejo. Preciso de um "boa noite" e de um "bom dia" sem teres sequer saído do meu lado. Preciso de tudo o que já tive e terei, do que nunca foi e do que nunca será. Preciso que saibas de tudo isto para que mo possas dar um bocadinho todos os dias, pois na verdade é só disso que preciso…


16 junho, 2011

Até Lá Abaixo


Fui convidada para ir à apresentação de um livro. Galeria Zé dos Bois, Bairro Alto, após um dia repleto de preocupações e de problemas que não posso resolver.
“É um livro dos amigos do M.”. Sem vontade, lá fui apenas para fazer companhia à Charlie.
Sem expectativa nenhuma, saí e lá nos dirigimos à referida apresentação.
Chegámos e já havia muita gente à porta, apesar do eclipse da Lua que previa roubar audiência. Entrámos e, como o evento ainda não tinha começado, decidimos conhecer o espaço. Logo à entrada fomos recebidas por um São Bernardo enorme que, pela sua simpatia, anunciou o que viria a ser uma noite surpreendente.
Subimos e fomos conhecendo um lugar muito bem concebido que, mantendo a traça original do prédio, combina a arte com a mística deste bairro de Lisboa. Salas consecutivas de paredes brancas com pinturas de cores garridas, mobília demodé e um magnífico terraço. Tirámos algumas fotos e voltámos “Até Lá Abaixo”…
Este era o título do livro que se apresentava agora no piso térreo, numa sala pejada de gente. Fomos brindados por um vídeo que fez esboçar um sorriso na minha face, devido à surpresa a que fui sujeita quando me deparei com um dos temas que tanto amo – África.
A música dos Tinariwen enchia a sala que nem devido ao calor excessivo se fazia abandonar pelos espectadores, encantados pelas imagens e pelo som dos tuaregues. Ninguém teria essa ousadia, pois a expectactiva era crescente.
O editor fez uma apresentação apaixonada e a Cândida Pinto comentou o livro de uma forma muito envolvente. A descrição e a sua interpretação fez-nos viajar até ao mais belo dos continentes. Toda a viagem e as suas adversidades, a gente de sorriso alargado, o céu estrelado e a paisagem imensa, todos os desconhecidos com quem se cruzaram, completam a história e fazem crescer a vontade de ler o livro. Foi aqui que decidi que tinha mesmo que o comprar.
O contacto com o povo africano de uma forma muito única e a esperança com que vivem, a vontade em superar os problemas e a posição que têm perante o mundo e a sua condição (na maior parte dos casos adversa e muito distinta da dos ocidentais, que cinicamente a desprezam), mudou com certeza a perspectiva destes três viajantes.
Surgem as referências a Salif Keita, Didier Drogba e até aos grandes Staff Benda Bilili – que (tal como os anteriormente referidos Tinariwen) tive o prazer de ver o ano passado no FMM que tiveram o poder de pôr toda a gente a dançar e a saltar, mesmo sendo um grupo de pessoas mutiladadas fisicamente, mas indubitavelmente agraciadas musical e espiritualmente. Mesmo condicionados, foram a banda mais enérgica em cima do palco do castelo.
A seguir, foi a vez do Tiago intervir. Esse “puto”, como se auto-intitulou, que teve a ousadia de se aventurar por África com os amigos, sem a mínima preparação. E é isso que os torna admiráveis: a sua coragem e também a sua resistência física e mental.
Com um sorriso sincero e um brilho no olhar, conveceu os demais. A simplicidade e a humildade estiveram presentes no seu discurso e a vontade de partilhar com o público a sua experiência era mais que evidente.
Seguiu-se a sessão de autógrafos. A espera, regada por alguns copos de sangria, foi acompanhada por conversas com os amigos do autor. Pessoas acessíveis e de fácil trato, sem preconceitos, daquelas que já é difícil de encontrar.
A demora foi recompensada pela dedicatória personalizada de cada um dos intervenientes.
Ao chegar a casa e apesar do cansaço, não consegui resistir à leitura das primeiras páginas do livro que me levará de Lisboa a Joanesburgo.
Apesar de ter dormido apenas quatro horas, acordei com a boa disposição que me acompanha desde ontem à noite.
Resta-me agradecer à Charlie por ter partilhado um evento que transformou uma noite que parecia perdida num acontecimento muito especial.






14 junho, 2011

A Mentira

"Mentir é um jogo da imaginação e ele lembrava-se do orgulho que tinha em se esconder nesse labirinto, como quem sente o prazer de uma vitória sobre si próprio. (...)
Era mais uma vez preciso safar-se e não há mais eficiente maneira do que a de alterar a estúpida e brutal realidade das coisas, usar como de uma arte essa extraordinária possibilidade que ele tão bem conhecia quando ainda não sabia que a mentira pode matar. "

Pedro Paixão, in Aflição


A mentira é outra história qualquer… Uma história que inventamos, não para enganar o outro, mas algo que nos faça sentir mais confortáveis perante a crua realidade. Criamos perspectivas, universos paralelos, desculpas infundadas que justifiquem o que não conseguimos explicar. Adaptamos o discurso, criamos versões e falácias e, essencialmente, deturpamos o que foi sentido.
O sentimento incómodo a que nos tentamos opor, que ousamos modificar, virar do avesso, para que se transforme em qualquer coisa diferente com que seja mais fácil lidar, com que seja possível viver.
Como o corpo que se molda à areia da praia, a mentira molda-se à certeza dos dias, a uma realidade que não se aceita por ser demasiado perfeita e, por conseguinte, duvidosa.
E o tempo vai passando, as histórias inventando, as mentiras vão surgindo e tudo se confirma num sorriso amargo pela razão que se afirma e que não devia existir.

12 junho, 2011

Pra onde vai...


Um ano depois, continuo a sentir a tua falta da mesma forma...


Hoje está a ser difícil de mais. Dei por mim a chorar às 4 da manhã como uma criancinha perdida. Não consigo aceitar o que aconteceu. Não consigo perceber porque nos deixaste…
De manhã, acordei e vesti-me sem sequer tomar banho, para não perder a coragem. Saí de carro e conduzi-me até ao cemitério. Estava uma manhã cinzenta como o sentimento que em mim habitava. Comprei uma gerbera rosa e entrei. Passando o portão, vira-se na rua logo à direita e percorre-se um longo caminho ladeado de árvores altas e jazigos de ninguém. Desci até encontrar uma pequena parede desenhada de azulejos que se assemelha a uma fonte e virei à esquerda acompanhando o gradeamento verde. Chegando ao fim dessa rua, estende-se à minha frente um mar de campas na qual se encontra a tua. Desço um pouco e começo a procurar… 9026. Sigo os números com cuidado e ouço ao longe as pancadas que o coveiro dá na terra. Procuro e não encontro. Começo a ficar ansiosa e lembro-me do que me passou pela cabeça às quatro da manhã: “amanhã vou ao cemitério e vou começar à procura, não a vou encontrar e tudo não passará de um sonho, porque tu não nos deixaste e se te ligar, irás responder do outro lado da linha com a tua voz tão doce… a mais doce”. Comecei a ficar deveras confusa, olhando para tantos nomes, mas nenhum era o teu. Com a flor na mão e um ar desamparado, decidi pedir ajuda ao coveiro.
-“Bom dia”, disse eu com alguma insegurança na voz, “pode-me ajudar? Procuro a campa 9026 que sei que deve ser por aqui, mas não estou a encontrar”.
- “É de uma senhora?”, perguntou o pesado coveiro ainda de mãos na enxada, tentado arrumar os trilhos que a chuva desalinhou.
- “Não, é de uma menina”, respondi tristemente.
- “Ah… é de uma menina que morreu ali?”, perguntou ele apontando para a direcção da tua casa.
Apenas assenti com a cabeça e agradeci quando indicou a tua campa.
Olhei e nela estava a frase mais bonita: Agora já podes voar…
Fiquei sem fôlego. Essas palavras bastavam realmente.
Coloquei a flor sobre a terra ainda húmida da chuva da noite anterior e olhei a tua fotografia. Tirei um lenço de papel e limpei-a das gotas de calcário já secas. Contraí-me e comecei a chorar.
Assim permaneci durante alguns minutos. Rezei. Pedi-te desculpa. Por inúmeras razões e por nenhuma em especial. Desejei ter-te de novo a meu lado. “A minha menina…” disse.
Encostei a mão à testa, pois parecia pesar mais do que o próprio corpo e senti as lágrimas a percorrerem-me a face. Só pensava que isto não faz sentido nenhum. Porquê?... Não me conseguia mexer. Permaneci imóvel durante bastante tempo até ter força de novo para o fazer.
Por fim, limpei as linhas desfiadas de água que insistiam em permanecer e levantei-me. Colei um beijinho com o dedo à tua fotografia e saí.
Andei devagar no retorno. Vislumbrei novamente as árvores excessivamente compostas de folhas verdes e senti o vento forte a bater-me no rosto. Não estava frio e respirei fundo na procura de uma força qualquer. Respirei procurando expelir o peso que me acompanha até agora. 
À distância de algumas horas, encontro-me em casa frente ao computador a digitar palavras soltas que nada significam. Porque desde que partiste, nada significa realmente. Tentamos dar importância às coisas, procurando algo onde nos agarrar, mas tudo parece demasiado vago e sem qualquer utilidade. Como se se desfizessem por entre os nossos dedos.
Tudo se desfaz… Nada parece erguer-se. Onde podemos encontrar algo que nos dê alento, que nos dê a leveza que procuramos para poder continuar? É tão triste e dói demais.
Sei que não devo pensar assim e me devo conformar. Devo pensar que se partiste, é porque chegou a tua hora e com certeza foste para um lugar melhor onde olharás por todos nós.
És o nosso anjinho… a nossa menina. Para sempre… 







04 junho, 2011

Light Candles & Red Wine

É quase fim de tarde, mas a noite ainda vem longe.
Finalmente, chegaram as noites quentes de verão. Aquelas em que nos esquecemos de tudo o resto e que nos perdemos em intermináveis conversas que nos permitem conhecer quem somos e as possibilidades que o mundo nos dá.
Acompanhados por uma garrafa de vinho e iluminados por uma vela já disforme, vamos consumindo a noite… que tanto nos entende.
A música é igualmente importante e o ritmo que imprime leva-nos a um envolvimento mais invulgar. É aquele tipo de intimidade que raramente se atinge. Não é de natureza física, nem mesmo psíquica. Também não se pode dizer que seja emocional ou sentimental. Parece antes uma força que nos conduz a um qualquer lugar que não este, a um nível superior do entendimento. Este estado é atingido quando duas ou mais pessoas conseguem colocar-se no mesmo registo oral. As ideias passam a fluir de uma forma tão intensa, que deixam quase de ser precisas palavras para transmitir o que quer que seja.
Um olhar, uma sílaba, uma interjeição e uma gargalhada são a explicação e a confirmação de que a ideia chegou ao outro clara e distintamente. Não é necessário que haja um raciocínio complexo ou uma palavra menos usada, mas sim simplicidade no discurso e essencialmente sensibilidade. Essa sensibilidade que anda a maior parte do tempo adormecida ou, mesmo, que quase ninguém tem.
As horas passam e, esquecidos de tudo, já há muito que perdemos a noção do tempo.
Somos, por fim, arrancados desse êxtase racional com a aproximação da madrugada que nos faz recordar que somos comuns mortais com estas vidinhas miseráveis que tentamos enaltecer a cada dia… todos os dias… até ao último dia.



03 junho, 2011

Costa Vicentina

Preciso de ti… Sinto falta da calma que proporcionas. Sinto falta desse teu mar e das tuas praias de areia grossa. Sinto falta do teu sol, das tuas planícies, do teu cheiro. Sinto falta de fechar os olhos e sentir o vento a bater-me na cara e de te respirar bem fundo. Fazer-te entranhar em mim para que permaneças por todo o tempo possível.
Quero-te trazer comigo, quero-te trazer em mim. Quero poder relaxar e restabelecer a ligação mesmo à distância, para que possa recuperar a energia necessária.
Tantas vezes que me acolheste nos teus braços e sempre que volto a ti, desfeita, quebrada, feita em cacos, pegas em mim com todo o cuidado e voltas a colar todos os pedaços perdidos. Reconstróis-me.
Todos os teus recantos fazem já parte de mim. Todas as histórias que aí vivi davam para escrever um livro. Risos e lágrimas. Tantos momentos, tantas memórias…
As tuas falésias que me acolhem, escondem todos os meus segredos. Sinto-me segura. Fazes-me sorrir.
Proporcionas-me o melhor pôr-do-sol e o melhor amanhecer.
Respiro-te devagar e sinto-me como uma parte de ti.
E é por isso que para aí voltarei em breve, para me reencontrar… para me reconstruir.


02 junho, 2011

O Lápis Azul…


E palavras de amor foram censuradas
E expressões incrédulas surgiram
E reacções precipitadas feriram
E desculpas sem jeito foram proferidas

E sentimentos de culpa se fizeram sentir
E atitudes sem sentido se fizeram mostrar
E estes lábios sem força não quiseram sorrir
E a mágoa surgiu sem poder evitar

E as conversas inúteis e infundadas
E as promessas desenhadas no ar
E as desculpas aceites e não esquecidas
Mas no fim prevalece a vontade de amar

E as palavras que escrevo não posso mostrar
Pois os entes escondidos irão espreitar
E a censura virá de novo julgar
O que o lápis azul irá rasurar…




27 maio, 2011

(des) animé

Procuro imagens, sons… Procuro palavras… procuro qualquer coisa que me instigue e me faça transpor para o papel aquilo que atravessa o meu pensamento. Mas nada parece bastar. Tudo sem cor, sem sentido. Nada me suscita a curiosidade ou sequer vontade do que quer que seja.
Apatia… Fico assim parada, imóvel, inerte. Sinto a superfície do corpo quente, mas por dentro tenho um cubo de gelo que imobiliza qualquer emoção.
É mesmo assim. Tem que ser assim. Tenho que fechar um pouco a porta e minimizar os sentimentos, reduzindo-os a um quase nada. Carregar no botão do off e desligar. A frieza dará lugar ao que outrora me reconfortou.
Esta noite serei fria, despreocupada, ausente de julgamentos. Sem envolvimentos físicos ou emocionais. Desprezível até…
Serei uma sombra vazia de mim. Um corpo estranho e (des)animado. Mover-me-ei apenas com gestos automatizados e sorrisos por encomenda, pois sem qualquer sentimento tudo se torna artificial.
Existirão luzes e purpurinas, frases feitas e apertos de mão, poses e sorrisos de ocasião.
Esta noite vou sair e tu não vais estar ao meu lado. Ausentaste-te para outra cidade. Longe desta Lisboa que me compõe.
Mas tu vais lá estar e dar-te-ei a mão se me sentir sozinha… «¨»

04 maio, 2011

A Asma da Saudade...

Nunca pensei que fosse assim. Ninguém me disse que era assim.
O medo confunde-me o pensamento e sinto que me estou a perder nesta dor que parece não cessar. Uma ansiedade apoderou-se do meu corpo como um vírus letal e, por vezes, pergunto-me se já não terei morrido.
Tudo aquilo por que lutei e em que acreditava desvaneceu-se sem que eu o pudesse evitar. Uma asfixia agonizante faz-me agir de modo diferente àquilo que sou e que realmente me compõe.
Perdi tudo o que tinha e estou sozinha pela ausência de um ser superior que me diziam acompanhar. Será que vale a pena continuar?

É tudo uma ilusão, porque na verdade nada subsiste a não ser na nossa memória e nos nossos corações. Porquê entregarmo-nos às coisas que sabemos que nos vão fazer sofrer? E choramos pelo inconformismo de sabermos que o tempo não recua e que jamais desfrutaremos da companhia daqueles que perdemos e que eternamente amamos.
Sentimos um nó na garganta e revoltamo-nos... Odiamos tudo e todos: as pessoas, os animais, as árvores e o céu e as nuvens. Odiamos o ar que respiramos, porque custa a fazê-lo quando se está sozinho. Parece que queima por dentro. Respiramos fundo incessantemente na esperança que esta dor no peito seja expelida juntamente com o ar. E, quando pensamos nos que perdemos ou nos que ainda vamos perder, há uma força maior que nos atinge e que nem sequer nos deixa respirar. É a asma da saudade...

Tentei encontrar a força em coisas que sabia inúteis de modo a afastar a dor. Olhares profundos e reprovadores trespassam a fronteira do meu corpo e percorrem as entranhas até atingirem a alma, ferindo-a como um punhal que escava lentamente o meu sepulcro ainda desabitado.
Nunca pensei acabar assim. A força que dizia possuir abandonou-me por completo.
Espero assim por dias de sol em que o mar seja a minha companhia e que um sorriso breve possa surgir sem receio…


03 maio, 2011

Game Over!

Não tenho por hábito publicar textos demasiado específicos. Mas, no seguimento de uma conversa em que me diziam que tenho uma escrita demasiado intensa, pediram-me para mostrar algo que fosse realmente agressivo. Escolhi este texto que estava guardado, mas que ilustra bem os maus sentimentos que por vezes também fazem parte de mim. Segue então algo que foi escrito num vómito...





A vida não é como tu pensas. Ou, aliás, eu não sou como tu pensas.
Pões e dispões de mim como e quando queres. Hoje apetece-te e é bom, amanhã julgas que me tens na mão e desprezas-me. Depois vens e solicitas a minha atenção, como se eu tivesse que me mostrar sempre disponível. Não é assim. Pode ter parecido ser assim no passado, pois estava fraca e precisava da tua presença para me sentir bem. Hoje não me és imprescindível. Por isso, se me queres, tens que lutar por mim. Se é apenas uma queca que procuras, então esquece. Procura então outra pessoa, como o fizeste tantas outras vezes. Ficas triste, porque comigo é mesmo bom e disso não tens a menor dúvida. Mas não se pode querer ter tudo e, quando se quer muito muitas coisas ao mesmo tempo, há sempre algumas que ficam pelo caminho. Algumas que escapam por entre os dedos. E quando olhas para trás, percebes que te eram realmente essenciais, importantes para o teu bem-estar, para a tua sanidade mental.
Procuras recuperá-las e percebes que não será assim tão fácil. Questionas-te mesmo se não será já tarde demais. Mas não sou eu que vou responder a essa pergunta. Se queres muito, luta. Terás que fazer por merecer aquilo que no passado te foi dado de mão beijada. Aquilo a que, só agora depois de o teres perdido, consegues dar o devido valor. Consegues perceber do quanto precisas disso. Aquilo que já tiveste vezes sem conta e que desprezaste outras tantas vezes.
Pois para mim chega! Estou cansada deste sim e muito, mas só de vez em quando… Deste quero-te tanto, mas só durante um bocadinho… Deste preciso tanto de ti, porque destronaste todas as outras, como se isso me fizesse sentir bem. Como se fosse um prémio, depois de submetida a tantas comparações.
Sou a melhor sim, de todas as que já tiveste e ainda terás. De todas as que repetes ou que descobres e em quem tentas sempre encontrar um bocadinho de mim. Em vão… Sabes bem que me perdeste. E sabes ainda melhor que a culpa foi tua. Crucificas-te por isso. O sabor amargo que sentes na boca é o sabor da derrota a que nunca te habituaste. Pois aprende que a vida também é constituída de derrotas. Aprende com isso para que possas ser uma pessoa melhor. E aprende essencialmente que eu sou a tua maior derrota. Vive com isso, porque me perdeste!

02 maio, 2011

Passeio Nocturno





À noite, ele passeava pelas ruas estreitas e sombrias da cidade. O leve aroma da maresia trazia de volta os dias de Verão. Era invadido por reminiscências de outros tempos em que podia ser quem quisesse.
Ao fundo, captava uma música estranha e hipnotizante que guiava os seus pensamentos. Sorria, sentindo-se reconfortado com tudo o que tinha. Caminhava lentamente, respirava fundo como se apreendesse cada pormenor do que o rodeava. Ouvia todos os sons, sentia todos os odores, sentia a temperatura dos outros corpos. Era como se pudesse aceder a todo o mundo apenas naquele momento, apenas naquele lugar. Os seus pensamentos eram um conjunto de palavras e de sensações que bailavam na sua cabeça em sinestesias intermináveis.
A Lua lá no alto, tão indiferente, parecia que lhe sorria em cumplicidade. O Céu, negro de tão escuro, cobria toda a cidade, envolvendo-a num gesto de ocaso.
Ele sentava-se, encostava-se para trás e podia ficar ali um sem número de tempo, acedendo a um sem númeno de consciência ilusória de ser.
Essa atitude de sair para a rua à noite podia ser algo frequente, como podia acontecer por mero acaso. O calor subia então pelo corpo, os seus pés quase descalços, a roupa que ia pesando na pele, a respiração que se tornava mais profunda.
O burburinho que se fazia notar, vinha e desaparecia com a mesma rapidez. Por vezes, tentava captar partes de conversas e, observando os que passavam, ficava a tentar adivinhar como seriam as vidas de tais criaturas. Depois, rapidamente se esquecia de tudo e os seus pensamentos saltitavam daqui para ali. Não havia mais ninguém, era um momento só dele. Onde se sentia completo, por não ter de pensar em mais nada.
Ao longe, começava então a surgir a luz desconfortante da realidade e decidia que era hora de voltar. Inspirava profundamente e, no movimento inverso, expelia a noite e acolhia a claridade da vida banal.



21 abril, 2011

Pietà

Olho para a parede que está à minha frente e penso na hipocrisia das pessoas que lá penduraram aquele crucifixo. Aquela figura de Cristo é triste e hirta.
Tem pó e já ninguém repara Nele. Para quê então relembrá-Lo no ponto mais alto do seu sofrimento? Uma coroa de espinhos, mãos e pés cravados na cruz, o escárnio injusto…
Alguns diriam que esta figura simboliza o sacrifício feito por nós. Como podemos então dar valor ao sofrimento de alguém? Não entendo como podemos viver tendo por base o sofrimento alheio.
Cresce uma vontade de acabar com aquela agonia; tirá-Lo da cruz, pô-Lo no nosso colo e afagar-Lhe o cabelo escorrido de um sangue ainda morno.
A sua cabeça pendente roga sofregamente por piedade – por uma piedade que é esperada há dois mil anos…